Estes são tempos ruins para humanos com consciência. É inverno em Nashville, mas a temperatura é de primavera, 15 graus supra do normal. Um bilionário invadiu departamentos do governo, com o aval do presidente, e se apossou dos dados pessoais de todos os residentes dos EUA.
E ninguém fez zero.
Entendo que o sapo cozendo no planeta que se aquece paulatinamente não assusta porquê deveria, mas era para a megainvasão de privacidade ser um banho de chuva escaldante na população. Por outro lado, também entendo perfeitamente que é difícil dar globo para o que pode vir a ser quando a presença amanhã de comida na mesa não é certa.
Vestuário é que, de um jeito ou de outro, o estresse da vida moderna é crônico e incontornável.
Mas foi com um cláusula que acabei de ler que a ficha com o tamanho da perversidade da situação da humanidade caiu.
O cláusula, vindo do laboratório de Mazen Kheirbek na Universidade da Califórnia em San Francisco e publicado recentemente na revista Nature, mostra que tomar porrada da vida um dia sim e outro dia também muda o modo porquê o cérebro representa o prazer mais fundamental de sentir um sabor guloseima na boca.
Os pesquisadores submeteram camundongos jovens a agressão por camundongos maiores, mais velhos e violentos durante dez dias seguidos. As fêmeas precisavam ser cotidianamente salvas de estupro pelo invasor. A verdade da vida desses animais se tornou um estresse só, previsível, crônico e inevitável.
Kheirbek descobriu que todo hipocampo que toma porrada assiduamente “ganha” mais neurônios sensíveis à presença de açúcar na chuva oferecida aos animais, no que talvez seja um reajuste automático à novidade dura verdade, em que toda e qualquer possibilidade de prazer agora é digna de nota.
O apelo crescente do prazer fácil de rolar telas em redes sociais vem à mente.
Ainda assim, boa segmento dos indivíduos derrotados pelo invasor quotidiano sucumbe à sua insuficiência e, na prática, deixa de se empenhar em tomar a chuva guloseima –porquê humanos deprimidos que já não ligam para zero.
O problema está na amígdala desses indivíduos, que não se tornou nem um pouquinho mais sensível ao açúcar. Os outros indivíduos são resilientes: aqueles que, agora com mais neurônios sensíveis ao prazer da chuva guloseima também na amígdala, continuam buscando por ela e, aliás, peitando novos invasores, apesar de toda evidência em contrário.
“Nunca desistir” é o lema do meu pai e dos resilientes (inclusive camundongos), que, por sua vez, são o motor da resistência aos agressores. Mas os agressores são, por definição, maiores e muito mais fortes —ou não agrediriam ninguém— e têm do seu lado a perversidade do efeito da agressão contínua sobre o cérebro derrotado: a anedonia (falta de prazer), que leva à sonolência (falta de ação), que é a chave da submissão. Os resilientes exclusivamente ainda não foram espancados o suficiente.
A perversão se completa com a disseminação da violência, porque o contraveneno para muitos que não têm poder sobre o próprio espancamento recorrente pelos mais fortes é lucrar controle sobre o espancamento alheio, seja ele literal, seja na forma da cassação de direitos humanos e reprodutivos daqueles ainda mais fracos. E assim chegamos cá.
Para trespassar daqui, portanto, é preciso encontrar outras formas de empoderar os humanos. Porquê? Semana que vem eu volto com qualquer otimismo, prometo.