Mais um caso de trabalho servo envolvendo a produção de vinhos no Sul. Quatro argentinos que trabalhavam na colheita da uva foram resgatados de condições análogas à escravidão em São Marcos, na Serra Gaúcha, em uma operação coordenada pelo Ministério do Trabalho e Tarefa (MTE), com séquito do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) e participação da Polícia Federalista (PF).
No início da tarde desta quinta-feira (30), o MPT soltou um primeiro transmitido afirmando que os quatro homens, vindos da província de Missiones, foram agenciados por outro prateado e uma arregimentadora de trabalhadores temporários brasileira. Não havia, porém, nenhuma informação sobre para quem eles estariam prestando serviço e nem qual seria o término dessas uvas.
Um pouco mais tarde, um respeitado site de notícias soltou a informação de que as uvas seriam para o consumo in natureza e para a fabricação de geleias. Porém, infelizmente, preciso relatar que, segundo apurei com o MPT-RS, as uvas eram destinadas à produção de vinhos e sucos.
Infelizmente porque não me agrada ver o vinho vernáculo metido nessa sujeira mais uma vez. Não gostaria de vê-lo ser boicotado porquê um todo pelos erros de um produtor de uva, mas sei que há grandes chances de isso suceder. Vide o escândalo da vindima de 2023, quando três das maiores vinícolas do país foram pegas contratando serviços de uma terceirizada que mantinha mais de 200 funcionários em condições análogas à escravidão.
Posteriormente, ficou provado que as vinícolas não sabiam das condições desses trabalhadores. Porém, porquê é obrigação das empresas verificar isso, elas pagaram R$ 7 milhões em multas e indenizações. Justo.
Ainda hoje, no entanto, vejo comentários do tipo: “Não tomo vinho vernáculo porque ele tem sangue servo”. Antes que você se sinta tentado a postar esse tipo de glosa, é bom lembrar que ainda é preciso apurar muito melhor esse caso.
Não estou querendo regularizar a exploração de trabalho servo. Pelo contrário, quero lembrar que ele acontece aos montes em nosso país, em diversos setores. Acho que as pessoas comprovadamente envolvidas nessa exploração deviam pegar enxovia. Só acho que é preciso focar e mirar no níveo perceptível.
Segundo o MPT-RS, a arregimentadora está foragida. Não sabemos quem é o produtor de uva e nem para quem ele vendia. O MPT-RS não quis sequer me informar se eram uvas de mesa ou uvas finas. Pode ser um pouco muito pequeno que envolva somente um produtor de vinho colonial (o que mais provável, pois eram somente quatro trabalhadores) ou um pouco maior que envolva o produtor dos vinhos que o dispendioso leitor bebe. Calma! Vamos esperar.
O que se sabe? Os resgatados não haviam recebido zero pelo trabalho até ali realizado. Estavam alojados em uma mansão velha de madeira, com dois quartos que, segundo o testemunho dos trabalhadores, chegou a homiziar 11 homens ao mesmo tempo. As condições eram precárias: colchões no soalho, zero de armários ou outros móveis, fiação elétrica exposta e, o principal problema, falta de aproximação a chuva potável.
A chuva que abastecia a mansão era captada de um pequeno comporta na propriedade. Depois de usada no banho e na descarga, era descartada num recinto próximo à mansão e ao comporta, formando um esgoto a firmamento descerrado e, possivelmente, contaminando o comporta. Segundo a fiscalização, essa chuva apresentava cor amarelada e odor pestilencial. Os trabalhadores relataram alergias cutâneas e diarreia. Segundo o MPT-RS, o alojamento não ficava na propriedade onde os argentinos estavam trabalhando.
O resgate foi feito na terça-feira (28), Dia Pátrio de Combate ao Trabalho Servo, porquê segmento de uma operação ampla de fiscalização da colheita da uva. Na quarta-feira (29) foi firmado um Termo de Ajuste de Conjunta com o produtor rústico que contratou os serviços, garantindo o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias devidas pela rescisão indireta dos contratos de trabalho. Aliás, o Ministério do Trabalho e Tarefa emitiu o seguro-desemprego, assegurando aos trabalhadores imigrantes argentinos o pagamento de 3 (três) parcelas de um salário-mínimo.
No ano pretérito, foi realizada a Operação In Vino Veritas, coordenada pelo MTE, acompanhada pelo MPT e com esteio da PRF. O seu objetivo era verificar se as mudanças que haviam sido pactuadas pelo setor depois o caso dos resgatados em Bento Gonçalves, em 2023, estavam acontecendo na prática.
“Naquela operação, foi percebida uma evolução no setor, com o aumento da formalização dos trabalhadores registrados”, conta a procuradora do trabalho Franciele D’Ambros, coordenadora regional da Coordenadoria Pátrio de Combate ao Trabalho Servo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT-RS. “O número de trabalhadores safristas registrados encontrados nas vistorias aumentou de 2.720 em 2023 para 8.102 em 2024, um salto de 257%. Com relação aos números deste ano, não temos ainda porquê oferecer conclusões porque o processo de colheita da safra está começando e as ações de fiscalização estão em pleno curso”.