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Zelenski e Trump e a tensão no Salão Oval – 03/03/2025 – João Pereira Coutinho

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Volodimir Zelenski é um herói de guerra que a história vai recordar. Na hora mais sombria, quando as tropas russas se aproximavam de Kiev, o presidente ucraniano recusou a carona de Joe Biden e ficou no país para liderar a resistência ao invasor.

Mas será Zelenski a pessoa indicada para as negociações de sossego? Tenho dúvidas. O circo a que assisti no Salão Oval só aprofundou minhas dúvidas. Para mourejar com Donald Trump, é preciso o tipo de lucidez estratégica que Castiglione ensinava no “Livro do Cortesão”. É preciso desaforo e falsa naturalidade. Hipocrisia e lisonja. Tudo isso feito com “sprezzatura”, ou seja, uma vez que se fosse a coisa mais procedente do mundo.

Zelenski, brutalizado por três anos de guerra, não controla os primeiros impulsos, sobretudo quando é soterrado por ignorância e desumanidade. Os seus músculos de ator atrofiaram no exato momento em que ele precisava mais deles. O filme até começou muito. Trump elogiou a resistência ucraniana e o pacto que os dois países vão assinar para a exploração da riqueza mineral do país.

Zelenski, com pouca paciência para jogar conversa fora, foi direto ao tópico: quer garantias de segurança, chamou Putin de “delinquente”, acusou Moscou de ter sequestrado 20 milénio crianças e mostrou a Trump e aos jornalistas fotografias dos prisioneiros de guerra, torturados por Moscou. Tem razão em todos os pontos? Simples que tem. Sem garantias de segurança, um pacto de sossego não vale o papel onde foi escrito. A história é a melhor vitrine: assim foi em 1994, em 1997 e nos Acordos de Minsk de 2014 e 2015.

De resto, a monstruosidade de Putin é uma evidência para qualquer cabeça que não tenha corrupto com a propaganda russa nas redes sociais. Mas aquele não era o lugar nem o momento para expor as limitações do rei Trump. Nem para o emendar, já agora, defendendo a taxa da Europa para a Ucrânia, que foi maior do que a americana (embora não em material militar, que é o que conta).

E quem fala do rei Trump, fala do príncipe JD Vance, ridicularizado por Zelenski com uma simples e trágico pergunta: “Já foi à Ucrânia?”. Obviamente que não foi. Obviamente que falava do país sem conhecimento de culpa. Mas o que interessa isso? O que interessa lucrar uma discussão e perder o principal?

E o principal é manter viva a labareda do envolvimento americano no fado da Ucrânia. O resto é para ser discutido quando as câmeras não estão filmando. Mas o sinistro do Salão Oval não foi somente um fracasso de simulação. Foi também um confronto entre a utopia e o realismo nas relações internacionais.

A utopia pertence a Zelenski, que quer da novidade gestão americana a mesma postura da anterior: um base robusto que permita continuar a luta. De preferência, até a libertação totalidade do território ocupado. Esse seria também o meu libido, se as relações internacionais fossem feitas de desejos. Não são. É com Trump que Zelenski terá de mourejar, não com Joe Biden. E a novidade gestão não está interessada em concordar o esforço de guerra ucraniano. Nem sequer nos termos ambíguos que Biden promoveu desde 2022: resistir, sim; derrotar a Rússia, fora de questão.

A brutalidade de Trump tem o valor de ser mais clara: nem derrotar, nem resistir. A teoria é findar com a guerra a qualquer preço porque há negócios a serem feitos. Em teoria, o solidão americano poderia ser compensado por um maior envolvimento europeu.

Mas a Europa só agora começa a despertar para o seu trágico desarmamento. Não será com a produção industrial do continente, nem com os seus sistemas antiaéreos, nem com os mísseis balísticos de longo alcance, que Zelenski vai virar o jogo. Quem diz o contrário mente. E quem mente condena os ucranianos à morte.

Esse é o motivo pelo qual o premiê britânico Keir Starmer, em difícil malabarismo, procura uma solução de sossego que não aliene Washington. Se houver tropas europeias na Ucrânia para prometer um cessar-fogo, o base dos Estados Unidos, nem que seja uma vez que último recurso, continua sendo um tanto principal.

E Zeleneski? Dias detrás, o presidente ucraniano afirmou estar disposto a deixar o função em troca do término da guerra e da ingresso da Ucrânia na Otan.

O segundo cenário não está em cima da mesa e Zelenski sabe disso. Mas o primeiro pode estar: um término que será sempre imperfeito, uma sossego mutilada, uma injustiça histórica. Mas, com garantias de segurança realistas, um término apesar de tudo. Esse término não se consegue com as virtudes guerreiras que Zelenski aprendeu a duras penas. É preciso desaforo e falsa naturalidade. Hipocrisia e lisonja. É preciso um novo cortesão para mourejar com uma novidade galanteio.


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