Pelo tanto que li em críticas e comentários de leitores, eu esperava que a incitação de jovens ao ódio e ao delito pelas redes sociais fosse ocupar o lugar mediano na série “Puberdade’, da Netflix, que trata de um menino de 13 anos que é criminado de matar uma colega de escola.
Francamente, me deu preguiça. As consequências negativas da antissocialidade pregada e disseminada por plataformas na internet há muito deixou de ser novidade. Mais uma série sobre violência fomentada por mídias “sociais”? Não, obrigada.
O que vem a seguir não é spoiler. Já sabemos desde o prelúdios, pelos anúncios da série, que o adolescente matou a colega. Já entendemos, pelo estrondo na mídia do mundo real, que secção da “culpa” está nas redes que ensinam misoginia, em pessoal, e violência, em universal, contra quem quer que seja o inconveniente da vez. E já esperamos que a série vá escoltar a dor e a angústia dos pais que tentam entender onde tudo deu incorrecto.
Mas isso não foi nem de longe o que a Neurocientista de Plantão viu ocorrer na série.
Resolvi testemunhar porque uma sátira mencionou que os quatro episódios de “Puberdade” eram planos sequência de uma hora cada um. Posterguei o quanto pude, mas acabei assistindo a todos os quatro entre os voos e conexões de uma viagem a trabalho —e de uma vez só.
Em cada um dos quatro projecto sequências ininterruptos, a câmera não hesita em passar um minuto inteiro, ou mais, focada no rosto do jovem recluso sendo levado de moradia para a delegacia, quase sem diálogo; focada no rosto do policial que pondera em silêncio o que acabou de deslindar da boca de outro jovem; encarando a psicóloga que vivencia na pele a personalidade do garoto e sai da sala para se reconstituir; seguindo o pai, desarranjado, que tenta digerir o que está acontecendo.
O recurso é desconfortável, e o resultado é sensacional. O projecto sequência logo de rosto avisa que não haverá trégua, namoro rápido, passagem de tempo que sirva de consolação ao telespectador. Pela primeira vez, que eu me lembre, vi a televisão para consumo forçar o público a pensar –e o que força a reflexão não é o bullying via Instagram de que a mídia tanto fala, para mim um pequeno coadjuvante na série.
Não. A estrela da série é o tempo de reflexão que ela força goela inferior ao testemunha, e repetidamente ao longo de cada incidente. Qualquer ímpeto de pegar o celular para conferir rapidinho as novas curtidas no próprio Instagram enquanto o garoto, o policial, a psicóloga ou o pai estão sofrendo a vida na tela é reprimido pelo risco de perder a próxima ação, pois o passo do tempo na tela é o mesmo da vida real, inexorável e imprevisível.
Não há opção a não ser pensar no que se vê, colocar-se no lugar do personagem da vez na tela, sentir e calcular tanto a situação quanto os sentimentos, os dos outros e os próprios.
Pensar, que é ação mental cujos resultados ninguém vê imediatamente, requer tempo e oportunidade. Os planos sequência da “Puberdade” que acompanham as reflexões silenciosas dos personagens dão ao testemunha oportunidades ímpares para subsistir e pensar na própria existência, oportunidades que as plataformas de fast-food mental onipresentes tiraram do nosso cotidiano.
Meu avô não precisava que Netflix qualquer lhe desse oportunidade para parar e pensar. Ele colocava uma cadeira de praia na lajeada, ao termo do dia, e se sentava para ver a vida passar.