O Carnaval é uma sarau traste e onívora que se renova a cada fevereiro ou março, apesar daqueles que não gostam dele (e têm o recta de não gostar), das pessoas que o atacam preconceituosamente e de quem o proíbe, como o prefeito de Porto Alegre.
No processo de modernização permanente é inevitável um olhar ao pretérito para rever as tradições. O que não significa abraçar os saudosistas, gente para as quais o melhor não volta: as marchinhas do Nássara, os sambas do Império Serrano, os blocos de sujos, o Dança do Havaí no Iate Clube de Botafogo (onde, diz a mito, a certa hora ouvia-se a ordem: “Todo mundo nu pulando na piscina!”).
Depois das fanfarras, com instrumentos de sopro e percussão, no Rio ressuscitaram os Gorilas de Saco, já habituais nas zonas setentrião e oeste e, daqui a pouco, na zona sul, que sempre chega atrasada. Bicho noturno e tremendo, bicho-papão da pequenada, é rival dos Clóvis, os bate-bolas surgidos nos anos 1930, com roupa bufante, máscara e esfera de borracha.
Imagine o calor que sente o Clóvis dentro da fantasia. Com o Gorila, o sufoco é ainda maior. A caracterização da figura exige, além da máscara, um casaco e uma calça, nos quais são feitos furos para acomodar milhares de tiras de sacolas plásticas. Pobre e louco Gorila, em procura de diversão na cidade que em fevereiro registrou 44ºC, a mais subida temperatura desde 2014, e em que a sensação térmica bate recordes. Não veio nem uma chuvinha para animar a avenida.
“Allah-la-ô, ô ô ô ô ô ô/ Mas que calor, ô ô ô ô ô ô”. O de 2025 será lembrado porquê o Carnaval da ferveção, e não pelo exaltação, que está mais ou menos igual ao de anos anteriores. Com a crise do clima – alguma coisa que não existe, segundo o zap da titia –, o folião fez o inimaginável para se oxigenar. Não deixou de trovar e galhofar, mas o cansaço e a ressaca bateram mais cedo.
Até entre a turma que não pula, unicamente observa os outros pularem, notei uma mudança no visual. Estavam todos de camiseta regata. Pode ser de mau palato, mas refresca.