A Lei do Feminicídio completa dez anos neste mês de março. A lei representou um marco no reconhecimento e na punição da violência contra a mulher, definindo o feminicídio uma vez que o homicídio de uma mulher em razão da sua exigência de sexo feminino. Uma lei que, uma vez que tantas, preferíamos que não fosse necessária, mas ainda é.
Há inúmeros exemplos, todos os dias, para ilustrar o porquê. Só no ano pretérito foram 1.459 vítimas: são quatro mulheres assassinadas por dia, por serem mulheres. Número recorde desde que esse transgressão começou a ser monitorado.
Meninas e mulheres com nomes, histórias, famílias e sonhos interrompidos pela violência de gênero. Feminicídios que ainda são chamados de “crimes passionais”, termo que tende a minimizar a violência de quem tenta provar poder ao sugerir que ela decorre somente de um momento de descontrole emocional, motivado por paixão ou paixão. Paixão para mim é outra coisa.
O aumento do feminicídio pode sugerir uma inefetividade da lei, que aparentemente ainda não reduziu os crimes cometidos em contexto de violência doméstica ou motivados por misoginia. Entretanto, é preciso ter em conta que, à medida que há mais informação e canais de denúncia acessíveis, os números sobem, revelando uma veras antes subnotificada, para, em seguida, começarem a tombar com a implementação eficiente de políticas públicas. Nesse sentido, são inegáveis os avanços da última dezena em relação à maior conscientização sobre violência baseada em gênero.
Outros tipos de violência contra mulher também seguem crescendo. De consonância com pesquisa recente, 37,5% das entrevistadas afirmaram ter sofrido qualquer tipo de violência nos últimos 12 meses, o maior número já registrado. Nos últimos anos, houve avanços legais que ampliaram a definição e reconhecimento de crimes, incluindo práticas uma vez que stalking e importunação sexual. Situações antes naturalizadas passaram a ser identificadas uma vez que violações de direitos.
Além do impacto dos crimes, há a perpetuação da cultura de culpabilização das vítimas. É geral ver comentários que responsabilizam a mulher pelo que vestia, por onde andava ou simplesmente por estar em um relacionamento. Esse oração se conecta a uma cultura jurídica que, por anos, aceitou argumentos uma vez que a “legítima resguardo da honra”, tese que só foi declarada inconstitucional pelo STF em 2021.
O combate à misoginia não pode se restringir ao endurecimento das penas. Se uma mulher chega à delegacia para denunciar e não é levada a sério, se uma medida protetiva não é respeitada, ou se o feminicídio cresce junto com o suicídio do invasor, fica evidente que o problema vai além da punição.
Não há solução sem mudança cultural profunda, que combata a naturalização dessas violências.
Para virar esse cenário, é precípuo promover políticas educacionais que ensinem desde cedo sobre paridade de gênero e direitos humanos. Ainda assim, há uma crescente interdição do debate sobre gênero nas escolas, enquanto se disseminam discursos misóginos em redes sociais, o que incentiva a violência. A violência contra a mulher não é um problema individual, é revérbero estrutural de uma sociedade que precisa se transformar.