Sim, estou obcecada por “Vale Tudo” e nem sou noveleira, mas para além da trama do século pretérito, que chegou com mais fôlego do que o triatleta Afonso Roitman, o que tem me seduzido é seguir o que mudou – e o que não mudou – de lá para cá. E, se tem um tanto que definitivamente não é mais o mesmo, é a representação de uma mulher que, oficialmente, já é idosa.
A Odete Roitman de Débora Bloch prova que os 60 não são os novos 40. O que precisa ser redefinido é a percepção da sociedade em relação a tudo o que se refere ao envelhecimento — a corroboração de que mulheres 50+ ou 60+, neste caso, não são uma samambaia murcha, sem viço, que se dedicam à família, à espera da morte.
Esperam tanto que mulheres maduras sejam mal a escalação da vilã foi contestada por quem imagina que Débora Bloch é muito jovem para interpretar o papel que já foi de Beatriz Segall, que tinha 62 anos quando foi escalada — exclusivamente um a mais do que a Odete de 2025. Para a era, era considerada uma senhora.
“Vale Tudo” não retrata exclusivamente o rejuvenescimento físico de uma geração, mas também desafia questões morais e culturais. Até a vida sexual ativa, o interesse por homens mais jovens, a vaidade da Odete de 1988 eram características de meandro de caráter para uma sociedade que não concebia que uma “senhora” pudesse viver com liberdade e com tesão. As decisões da personagem, sempre pintada porquê interesseiro e mesquinha — por delegar a geração dos filhos à mana, fazer o que muito entende porquê profissional e porquê mulher — começam a lucrar outros olhares. Ela continua preconceituosa, manipuladora, mas será que não parecia ainda pior por ser uma mulher dona de si e “velha demais” para continuar socialmente e sexualmente ativa?
Os 60 da novela sinalizam o que é a tendência dos novos 60. Ninguém com pensamento quer voltar a ser um trintão ansioso tentando provar que é inteligente, desejável, promissor e bom de leito — tudo ao mesmo tempo e com alimento saudável. A novidade geração que chegou aos “enta” não quer parecer jovem. Quer parecer viva. Não quer virar figurante da própria vida, exclusivamente ter uma segunda temporada com orçamento maior e menos exprobação.
Envelhecer não virou um parque temático da felicidade. A seriedade existe, o metabolismo desacelera e o joelho parece um wi-fi com sinal fraco quando o tempo muda. O que está em questão são as expectativas de quem passa dos 50. Não queremos ser tratados porquê gente “em transição” entre a período produtiva e o asilo. O etarismo está aí. Ainda é ousadia usar saia curta aos 47. Tarde demais para mudar de curso aos 55. Parecer mais jovem ainda é considerado preconização, quando é muito mais interessante ser livre. A liberdade é o novo colágeno: levanta mais que lifting facial. O clichê do “envelhecer muito” não é só sobre corpo, é sobre repertório.
Odete Roitman, com seus 60 muito muito vividos por Débora Bloch, não é exemplo de virtude, mas é um retrato cruelmente honesto do incômodo que motivo uma mulher que não pede licença, tem agenda enxurrada, opinião própria, libido ativa e zero paciência para deleitar — e que agora nem pode ser chamada de velha, com a fardo negativa atribuída pela maioria.