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O varão que (não) gostava de mendigos – 15/03/2025 – Ricardo Araújo Pereira

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Para a surpresa de toda a gente, imagino, descobriu-se que as redes sociais fazem mal à cabeça. Parece que há um termo para isso: “brain rot“. Quer manifestar putrefacção do cérebro. As pessoas que usam intensamente as redes sociais sentem que o contato continuado com aqueles maravilhosos conteúdos contribuem para a decadência da sua atividade cerebral, o que nos dá alguma esperança.

Quer manifestar que, apesar do putrefacção, o cérebro mantém alguma capacidade para ter consciência de que está apodrecendo. Conheço quem esteja limitando o seu próprio entrada às redes sociais, para se salvar de si mesmo. Parece que já há grupos, semelhantes ao dos alcoólicos anônimos, para ajudar os viciados. Mas tenho dificuldade em imaginar porquê esses grupos poderiam, por fim, funcionar.

“Olá, eu sou Márcio, e sou viciado em fazer scroll.”

“Olá, Márcio.”

“Fico horas vendo vídeos de casais russos que, por uma razão qualquer, têm felinos de grande porte em lar. Primeiro vejo o par que tem um puma. Faço scroll e aparece o par que tem um tigre. Aparece o vídeo de uns homens que alimentaram um leãozinho bebê e ficaram amigos dele. Mas depois o leão foi enviado para a savana, na África. Anos depois, os homens vão visitá-lo e ele ainda se lembra, e abraça-os, ao som da música “I Will Always Love You”, da Whitney Houston. Esse vídeo já me apareceu 125 vezes. Chorei as 125 vezes. O algoritmo percebe que paladar de coisas sentimentais e mostra vídeos de youtubers que abordam desconhecidos pobres e lhes dão numerário. Os pobres ficam muito contentes. Eu fico muito contente. O youtuber fica muito contente porque minhas visualizações rendem-lhe numerário para ele continuar a dar uma pequena segmento aos moradores de rua e zelar o resto para si. No tempo em que tinha uma vida no mundo real, li uma vez um livro. O que eu li tinha uma história chamada “O Varão que Gostava de Dickens”, de Evelyn Waugh. Era sobre um varão que não sabia ler, mas aprisionava outro para ele ler livros do Charles Dickens. O carcereiro comovia-se com o que acontecia às personagens das histórias. Mas não tinha simpatia pelo sofrimento do varão que ele mantinha refém, para lhe ler as histórias. Sinto que está acontecendo o mesmo comigo, porque não me comovo com moradores de rua reais, só com os do YouTube.”

“Felicidade, Márcio.”


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