Esporte

O pacto de Higienópolis – 24/04/2025 – Tati Bernardi

Published

on



O bairro de Higienópolis, sonho de subida social de alguns paulistanos, incluindo essa historiógrafo que não costuma se esquivar de assumir seus ridículos, foi palco na última quarta-feira de uma das mais emocionantes e urgentes manifestações contra o racismo.

O protesto, com murado de 500 pessoas, entre elas estudantes, professores e pais, ocorreu em seguida inúmeras denúncias de racismo dentro do shopping Higienópolis, a mais recente contra dois estudantes do escola Equipe.

Se você é branco, caminhar pelo shopping Higienópolis pode ser bastante deleitável. “Tem um gostosinho de sala de avó que gosta de livros e chazinhos” costuma me expor uma amiga, assídua frequentadora do espaço. “Não me dá aquele ruim que sinto lá para os lados do Itaim, é menos metido, menos ‘direitoso’ e mais aconchegante”, ouvi outro dia de uma colega progressista e feminista.

Ali marco minhas reuniões na livraria, nos restaurantes e nos cafés. Aos finais de semana, levo minha filha ao teatro, ao cinema, ao parquinho no último caminhar, à sorveteria. Vamos a pé, de mãos dadas, ela dando saltinhos felizes, até debutar a murchar e a me perguntar insistentemente sobre as pessoas dormindo nas calçadas. E portanto, frustrada com as minhas tentativas desajeitadas de explicar desigualdade social a uma indivíduo tão pequena, ela simplesmente me culpa por aquelas pessoas estarem tão desassistidas “se você é mãe deveria fazer alguma coisa”. Ou culpa a Deus (também errei em ter tantos santos pela lar).

Porém, apesar da vida real tentar nos tirar do nosso caminho de fé cega, tentamos, assim porquê nossos irmãos brancos caminhando com seus familiares até a ingressão do Boulevard, não perder o sorriso que antecipa nossas idas à papelaria e ao quiosque de maquiagem infantil. Tentamos não perder o ruborizado de nossas bochechas felizes porque vamos nos lambuzar de gastança em um envolvente em que somos tão celebrados e muito recebidos.

Não tem um segundo do meu dia em que eu não pense que está tudo falso. Moro falso, educo falso, vou a lugares errados, ando com gente errada e sou a pessoa errada com quem muitos andam. E faço o que a saudação disso? Uma crônica? Grandes merdas. Porquê uma mãe educa uma menino para que ela seja melhor do que a mãe? Fica aí a pergunta no ar perfumado do caminhar da loja Sephora.

Olha, Rita, a mamãe faz segmento de um pacto escroto de branquitude e está, além de protegida, ocupadíssima em ter cada vez mais verba e sucesso e reconhecimento, e é porque pessoas porquê a mamãe existem que as outras, que dormem nas ruas, existem também. Não assim de forma tão direta, eu… enfim, só te peço uma coisa: seja melhor do que eu. Saiba observar mais, se revoltar mais e se enojar mais.

Hoje, dia seguinte da sintoma no shopping, fico sabendo que uma moradora do meu prédio chamou minha funcionária, ao vê-la no elevador social, de fedida. Aviso que vou invocar a polícia. O porteiro liga para a síndica que liga para o fruto da mulher e todos aparecem em minha porta: “ela tem demência, não fala coisa com coisa, não faz por mal”. Maria me implora para que eu não faça zero. O fruto me mostra atestados, receitas médicas, exames. A mulher de indumento é doente mental. Ou talvez sejamos (todos os brancos de Higienópolis) dementes que não falam coisa com coisa. Só não concordo que não seja por mal.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.



Acesse a fonte

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas

Sair da versão mobile