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Judeus e árabes em uma guerra perpétua – 07/04/2025 – João Pereira Coutinho

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Durante a Guerra do Vietnã, um varão protestava todas as sextas-feiras à porta da Mansão Branca com um papeleta. Sozinho, imóvel, incorruptível, ele denunciava a guerra absurda e clamava pelo seu término.

Perceptível dia, um jornalista que se habituara a vê-lo naqueles preparos aproximou-se. E fez a pergunta típica dos cínicos: “Mas você acredita que estar cá vai mudar alguma coisa no mundo?”.

O varão fez face de espanto, uma vez que se tivesse escutado uma blasfêmia, e respondeu: “Mudar o mundo? Que teoria! Somente quero ter a certeza de que o mundo não muda a mim”.

É uma boa piada na sua sabedoria estoica: antes de nos preocuparmos com o mundo, devemos preocupar-nos com a nossa integridade.

Mas a história também serve uma vez que retrato do plumitivo israelense David Grossman, que partilhou a piada em “O Coração Pensante” (edição portuguesa pela D. Quixote), coletânea de artigos sobre “a situação”. Que situação é essa?

O conflito entre judeus e árabes, simples, agravado nos últimos tempos pelo massacre do Hamas e pela retaliação brutal de Israel em Gaza.

Mas a “situação” não se limita aos inimigos clássicos. Nos últimos anos, ela também inclui o conflito entre judeus e judeus e entre árabes e árabes que têm perspectivas distintas e incompatíveis sobre o porvir.

Perante a loucura que corre pela Terreno Santa, Grossman não quer mudar o mundo. Ele só quer ter a certeza de que o mundo, feito de ódio e fanatismo, não muda a ele.

Tranquilidade. O seu objetivo continua a ser o mesmo. Tranquilidade. Dito assim, parece oração de miss Universo.

Não é. Querer a silêncio e recusar os atalhos da ruína sistemática significa entender que, sem silêncio e sem um Estado palestino independente, é a viabilidade de Israel que está em desculpa uma vez que Estado livre e democrático.

Desde as suas origens, por razões de sobrevivência, o Estado judaico tem sido uma combinação de Atenas e Esparta –uma sociedade ocasião e fechada; uma democracia e uma sociedade guerreira; um porto de abrigo e uma potência ocupante.

Mas até quando será verosímil manter essas duas identidades dentro de um mesmo Estado, sem que Esparta derrote Atenas?

Outrossim, existe uma novidade perplexidade na equação. Décadas detrás, falar do conflito era falar das fronteiras de um Estado palestino, do regime de Jerusalém uma vez que eventual capital dos dois Estados e do tramontana dos refugiados árabes das guerras de 1948 e 1967.

Mas Grossman detecta uma novidade classe venenosa nesta história: o incremento de fanáticos religiosos dos dois lados em confronto. O conflito, que era salomonicamente dividido entre judeus e árabes, é hoje uma contenda entre judeus e árabes que querem a silêncio –e judeus e árabes que querem a fantasiosa eliminação do outro.

Do lado judaico, os assentamentos na Cisjordânia dispensam comentários: eles são a materialização dolorosa de que não haverá Estado palestino nenhum enquanto a ocupação continuar. Não que isso perturbe essa falange irredentista. Pelo contrário: uma vez que escreve Grossman, ela faz questão de separar “Israel” (esse repugnante Estado democrático, pluralista e secular) da Judá bíblica que tem na cabeça.

Do lado arábico, o negacionismo do Hamas só admite uma Palestina teocrática do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. Nem que isso implique uma guerra interminável que acabará sempre por desaprovar o próprio povo palestino ao sofrimento mais cruel.

No fundo, ambos os lados participam nessa dança de morte, acreditando que haverá um porvir risonho construído sobre cadáveres.

Perante essa dissonância cognitiva, David Grossman tem uma pergunta e um apelo.

A pergunta é saber se chegaremos a uma novidade diáspora judaica, dessa vez provocada pelo extremismo religioso que, ironia das ironias, começou por recusar o sionismo do século 19.

Será que em Israel só ficarão os judeus extremistas, enxotando os restantes para outras paragens?

É uma pergunta trágica, mas não original. Philip Roth, no seu “Operação Shylock”, já tinha confabulado essa hipótese.

O apelo é ainda mais trágico: é um apelo ao mundo para que tente salvar israelenses e palestinos. “Já não conseguimos nos salvar sozinhos”, escreve Grossman, embora não se entenda a que mundo é que ele se dirige. Aos Estados Unidos? Ao seu excelso presidente?

Pobre Grossman. Pobre Israel. Pobre Palestina. A única coisa que, até o momento, saiu da peculiar cabeça de Donald Trump foi transformar Gaza na Riviera do Oriente Médio.

Para os negócios, seria ótimo. Para continuar uma guerra perpétua, melhor ainda.


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