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Clichês são rapidamente reconhecidos e compreendidos – 24/02/2025 – Thaís Nicoleti

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Dia desses, nosso querido Ruy Castro “nos brindou com um saboroso texto” sobre clichês, que ele disse ter anotado e espetado na parede de seu escritório de trabalho, possivelmente um lembrete a ajudá-lo a desviar-se dessas armadilhas verbais, uma vez que ele os definiu. Os pobres mortais, ao que tudo indica, continuaremos caindo nessas ciladas, uma vez que reconheço usando as aspas logo supra. Improbar os clichês não seria também uma espécie de clichê? O parecer é repetido com frequência, mas dificilmente é seguido. Quando eliminamos um, logo aparece outro. Por que será?

Afastadas explicações de natureza moral, uma vez que “preguiça” ou “falta de originalidade”, o traje é que as palavras não têm vida isolada no linguagem, isto é, não pensamos necessariamente em cada uma delas. Por vezes, acionamos na memória grupos fraseológicos ou sequências usuais de termos que, juntos, passam a valer um pouco dissemelhante –ou um pouco dissemelhante– daquilo que significam quando tomados um a um. É provavelmente por isso que todos temos à disposição um grande repertório de clichês, construídos ao longo do tempo, no discurso da história da língua e de seus usuários. Serão, assim, segmento da legado que recebemos de gerações passadas. Nesse sentido, a seu obséquio, podemos proferir que têm grande poder de notícia: os clichês são rapidamente reconhecidos e compreendidos por quem os ouve.

É evidente que existe a percepção de que são “gastos” ou “repetitivos” e quem tenha a pretensão de ser um repórter vai tentar encontrar expressões originais, capazes de transmitir uma experiência única de modo privado. Nos textos da prelo e da publicidade, no entanto, talvez os clichês desempenhem uma função, a de trazer privança ao que se diz, atraindo um número grande de leitores. De resto, uma vez que sabemos, o que não funciona a própria língua faz o trabalho de varar.

Vejamos algumas sequências de substantivo e adjetivo encontradas com facilidade: “vultosas quantias”, “silêncio sepulcral”, “inegável valor” (que pode ser “artístico”, “histórico”, “arquitetônico”, “cultural”, “arqueológico”, “literário” etc.), “ledo ilusão”, “sólida formação” (que pode ser “acadêmica”, “educacional”, “religiosa”, “teórica”, “jurídica”, “músico” etc.), “lauto jantar”, “pranto convulsivo”, “chuva torrencial”. Na maioria desses casos, o adjetivo acrescenta valor intenso.

A exceção fica por conta de “ledo ilusão”, uma vez que “ledo” quer proferir “jubiloso” ou “prazenteiro”, mas, mesmo assim, quando observamos o contexto de uso da frase, temos a sentimento de que o adjetivo “ledo” é usado uma vez que se fosse um intensificador, uma vez que se a pessoa quisesse proferir que se trata de um “grande ilusão”. Ledo ilusão, diríamos. Abro um parêntese para lembrar o repórter Carlos Heitor Cony, que, jocosamente, costumava fazer uma pequena mudança nessa frase, fixada por ele uma vez que “ledo e ivo ilusão”. Certa vez, um aluno me perguntou o que queria proferir “ivo”. Pois portanto: Cony fazia uma gaudério com seu camarada, o repórter alagoano Ledo Ivo. Era, digamos uma “piada interna” da Ateneu Brasileira de Letras, que ele usava nas suas crônicas.

Essa gaudério de Cony nos mostra uma faceta interessante dos clichês: eles são passíveis de pequenas modificações que introduzem neles o fator “consciência”, um pouco uma vez que “eu sei que isto é um clichê”, e, mais ainda, eles podem ser empregados com sentido renovado a depender do contexto. Quando são metafóricos, podem voltar ao sentido literal. Por exemplo, “silêncio sepulcral” é uma dessas sequências usuais, que, sendo usada ao descrever um passeio no cemitério, pode provocar um efeito estilístico (“um silêncio literalmente sepulcral”). “Lauto jantar”, uma frase antiga, aparece, na prelo, quase sempre introduzindo uma pontinha de ironia numa descrição de festim.

O adjetivo “incorrigível”, por exemplo, costuma estar associado a uma propriedade positiva, que não precisaria, de traje, ser corrigida, senão para beneficiar o próprio “incorrigível”. Assim, descrevem-se pessoas uma vez que “um romântico incorrigível” ou “um otimista incorrigível”, em universal com simpatia. O clichê não aparece somente em sequências de substantivo e adjetivo, uma vez que as outras que vimos até agora. Pode também estar presente em sequências de verbos e advérbios, uma vez que “fugir profundamente” e “chorar copiosamente” ou “convulsivamente”. Aliás, as mesmas ideias podem chegar em diferentes estruturas sintáticas (“sofreu um sismo profundo”, “está profundamente aluído”, “a notícia o abalou profundamente”).

A mim parece que mais importante que sentenciar o clichê “pura e simplesmente” (ops!) é verificar sua emprego. Nem todo pranto é “convulsivo”, ainda que a pessoa esteja a “se debulhar em lágrimas” (epa!). Pode-se dar o caso de “convulsivo” ser usado exclusivamente uma vez que um intensificador, mas, uma vez que tem significado específico, haverá situações em que soará inadequado. O mesmo vale para a popularíssima frase “arrancar aplausos”, uma das prediletas dos redatores. “Arrancar” é “tirar à força”, mas, em universal, o que se quer proferir é que a plateia aplaudiu efusivamente. Li em qualquer lugar que um palestrante tinha “arrancado aplausos e burburinhos do público em diversos momentos” – o “burburinho” (sem plural, porque não precisa) dificilmente seria “arrancado” do público, mas, aparentemente “pegou carona” (ora!) nos aplausos. Enfim, coisas da pressa, penso eu, “cá com meus botões”.

Algumas dessas sequências usuais tendem a vanescer (lentamente, que é uma vez que se dá o processo de arcaização na língua) e outras vão aparecendo. Se “inconsolável viúva” e “família penhorada” soam antiquadas, “tombar a ficha”, por sua vez, é uma unidade fraseológica muito generalidade nos mais variados contextos. De uso recente, é associada aos telefones públicos, que funcionavam, no início, com fichas metálicas que só “caíam”, fazendo sonido característico, quando a relação se completava. Mesmo as novas gerações, já nascidas com um celular ao alcance da mão, usam normalmente a frase “tombar a ficha”, que herdaram da geração anterior.

Em suma, parece vã a luta contra os clichês, que, assim uma vez que os trocadilhos –pelos quais sempre se pedem desculpas–, podem ser uma forma de dar viveza ao texto e invadir o leitor, recebendo-o num envolvente familiar.



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