Não tem jeito. Não há um jogo em que ele esteja presente e permaneça alheio a polêmicas.
Mas desta vez o famigerado VAR, o louvado assistente de vídeo, extrapolou. Não feliz em nascer somente durante o tempo regulamentar e a prorrogação, decidiu dar o ar de sua (des)perdão em uma disputa de pênaltis.
Foi na quarta-feira (12), pelas oitavas de final da Champions League, em Madri, no clássico Atlético x Real (sempre nervoso e disputado) que definia quem permaneceria vivo na competição.
No jogo de ida, no estádio Santiago Bernabéu, o mandante Real ganhou por 2 a 1, na semana anterior. No jogo de volta, no estádio Metropolitano, o mandante Atlético venceu por 1 a 0. O placar associado significava decisão por pênaltis.
Na segunda cobrança do Atlético, o prateado Julián Álvarez, 25, vencedor do mundo com seu país na Copa de 2022, no Qatar, mandou para as redes do goleiro belga Courtois.
Álvarez, porém, escorregou no momento do chuto, e surgiu a incerteza se o atacante poderia ter tocado a globo com o pé esquerdo, o de suporte, antes de chutá-la com o outro. Caso isso tivesse ocorrido, seria uma ilegalidade e o gol teria de ser invalidado.
Vi o replay nos ângulos oferecidos, repetidamente, e me foi impossível concluir que o camisa 19, mesmo que muito de ligeiro, tivesse incorrido em “dois toques” na cobrança desse pênalti.
Aliás, posso certificar que não só a mim. Ninguém chegaria a um entendimento dissemelhante. Pelo contrário. Tendo visto e revisto, concluí que não, que Álvarez não cometeu irregularidade alguma.
Porém a quem caberia a decisão, depois de acintosa chiadeira dos jogadores do Real, liderados pelo planeta Kylian Mbappé? A ele, ao VAR, representado pelo polonês Tomasz Kwiatkowski.
Esse cidadão todo-poderoso, com o serviço de uma tecnologia que em alguns casos (vide as linhas do impedimento) é inexplicável para qualquer cidadão não todo-poderoso, e que deve interceder somente em casos de “erros claros e óbvios”, eximiria a incerteza.
De que jeito desta vez? Vendo e revendo o lance. Insisto: pelas imagens disponíveis, a globo indubitavelmente não se moveu antes de Álvarez atingi-la com o pé recta. Mas Kwiatkowski decretou o contrário, e o louvado de campo, seu compatriota Szymon Marciniak, acatou.
Gol anulado, a disputa prosseguiu, e deu Real, 4 a 2. Na entrevista pós-jogo, o treinador do Atlético, Diego Simeone, mostrou inconformismo. “Vi as imagens. A globo não se mexe”, afirmou o prateado, em referência a verosímil toque de Álvarez na redonda com o pé esquerdo.
Sem que ela se mexa, não dá para concluir zero, e o gol deveria ter sido mantido. A não ser que Kwiatkowski tenha tido chegada a um ângulo dissemelhante, que corroborasse sua solução.
E teve. No dia seguinte à partida, a Uefa, organizadora da Champions, levou a público um vídeo em que, com ração hípíco de esforço, nota-se a irregularidade, mínima. É surpreendente, pois por outras câmeras há 100% de crença na regularidade.
O VAR contou com a visão além do alcance, viu o que ninguém inicialmente viu, porquê ocorrera na Despensa de 2022, em um gol do Japão contra a Espanha no qual a videoarbitragem, comandada por um mexicano, bancou que a globo não tinha saído pela traço de fundo antes da desfecho da jogada –pela visão “dentro do alcance” ela saiu, e muito.
No caso da Champions, mesmo que o acerto possa ser comprovado, o desconforto levou a Uefa a declarar que “entrará em discussões com a Fifa e o Ifab para instituir se a regra deve ser revista nos casos em que um toque duplo é claramente não premeditado”.
O Ifab (International Football Association Board) é o órgão que cuida das regras do futebol.
Só que não se trata de mudar a regra, ou não simplesmente isso.
Trata-se de dar a visão além do alcance, instantaneamente, a todos os envolvidos (jogadores, treinadores, torcedores no estádio, espectadores fora do estádio, você, eu).
Para vermos sempre, e logo, o que o VAR vê.