Quando se compara a taxa Selic com estimativas de rendimento neutro, constata-se que a política monetária brasileira está em terreno contracionista desde o final de 2021. Ou seja, desde aquele momento o Banco Mediano do Brasil vem tentando, de forma deliberada, esfriar a economia para fazer com que a inflação se aproxime das metas definidas previamente pelo Juízo Monetário Pátrio (CMN).
Não obstante, é sabido que a economia brasileira surpreendeu as expectativas, crescendo em 2022, 23 e 24 muito supra do que os analistas e o BCB projetavam. À primeira vista, a constatação apontada no parágrafo anterior soa incoerente com o desempenho do PIB. O que poderia explicar isso?
Segmento dessa surpresa de prolongamento esteve associada a surpresas na realização da política fiscal pelo governo federalista: em 2022, o gasto primordial da União foi 1,1% do PIB maior do que o consenso projetava em dezembro de 2021; em 2023, essa surpresa foi de 1,4% (ou 1,9% quando se tomam uma vez que referência as expectativas formuladas em outubro de 2022, antes que fosse lançada a PEC da Transição); em 2024, foi de 0,4%.
No caso dos governos regionais, não é provável realizar esse operação de “surpresa” de gasto (diferença entre o observado e o esperado), mas é pouco provável que os analistas antecipassem que o prolongamento médio real das despesas de estados e municípios fosse de 9,6% a.a. no triênio 2022-24 (valores deflacionados pela inflação do PIB).
Mas essa não parece ser a única explicação para as surpresas favoráveis sistemáticas do PIB. O próprio mercado de crédito, considerando não somente os empréstimos feitos pelos bancos mas também as captações no mercado de capitais, parece ter se descolado de alguma maneira da postura contracionista da política monetária: o indicador de “hiato de crédito”, calculado pelo BCB no contextura dos Relatórios de Estabilidade Financeira, aponta que, desde a segunda metade de 2022, o crédito largo no Brasil está crescendo muito supra do que seria um ritmo normal/tendencial.
Um estudo recém-publicado, de um economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), joga mais luz sobre essa questão. Ao examinar a competição e o poder de mercado do setor bancário em diversos países da América Latina, o responsável constatou que, no Brasil, tem havido uma expressiva queda da concentração da licença de empréstimos bancários desde 2018/19 –em seguida uma tendência de subida praticamente ininterrupta e acentuada entre o prelúdios dos anos 2000 e 2015/16.
Muito provavelmente isso se deveu ao aumento da atuação das chamadas fintechs, além dos efeitos de várias reformas que tinham uma vez que intuito aumentar a concorrência no mercado de crédito (tais uma vez que o Cadastro Positivo reformulado, a introdução do Open Banking/Open Finance, a geração do Pix, entre várias outras). Ou seja: mudanças mais estruturais.
Certamente é uma ótima notícia do ponto de vista dos consumidores e empresas –uma vez que o spread bancário no Brasil ainda é uma superfluidade em ampla verificação internacional. Mas, por outro lado, ao atuar na direção oposta à postura conjunturalmente desejada pelo BCB, reduz a potência da política monetária, exigindo uma Selic ainda maior do que aquela que seria necessária caso não estivesse acontecendo essa mudança.
Esse é mais um motivo que justificaria o acionamento do colchão de capital anticíclico, uma vez que abordei em coluna recente.