Todos somos colonialistas. Todos somos colonizados. Eis, em resumo, o espírito do artigo que escrevi semanas detrás nesta Folha, a reverência do experimento “On Settler Colonialism”, de Adam Kirsch.
O pesquisador Bruno Huberman discorda de mim e avança com dois argumentos: o colonialismo é um fenômeno característico da modernidade (antes do século 15, infere-se, não haveria colonialismo) e o noção de “indígena” só deve ser aplicado aos nativos de um território conquistado pelos europeus. São duas asserções duvidosas, para expor o mínimo.
Ponto prévio: o colonialismo foi um processo de brutalidade sobre os nativos. Sobre isso, eu e Bruno Huberman estamos de conciliação. Porquê dizia Churchill, “a história da raça humana é a guerra”. E acrescentava: “Exceto por breves e precários intervalos, nunca houve sossego no mundo; e antes do início da história, a luta assassina era universal e incessante”.
Só me afasto de Huberman na forma seletiva uma vez que ele aplica a sua grelha de estudo. O colonialismo, ao contrário do que afirma Huberman, não é um individual da modernidade e do varão europeu branco.
Partindo do pressuposto de que é verosímil extinguir a história que não nos interessa (a história de egípcios, assírios, persas, romanos, árabes, zulus, astecas, incas etc.), o período moderno e contemporâneo também abarca o colonialismo brutal de russos, turcos ou chineses.
A tese de que o único colonialismo que importa foi resultado de europeus brancos é arbitrária e ignara.
O mesmo problema com o noção de indígena usado pelo colonialismo de assentamento. Afirma Bruno Huberman que indígenas são os que “ocupavam um território reivindicado pelos colonizadores”. É uma verdade, mas uma meia verdade.
Em nome do rigor histórico, seria preciso explicar por que motivo essa definição não se aplica aos povos conquistados por astecas, mapuches ou iroqueses.
Sem falar, evidente, dos tibetanos ou dos uigures (esmagados pelos chineses), dos armênios (dizimados pelos turcos) ou até dos ucranianos (submetidos à pata russa no Donbass).
A punhal não dói menos quando é manejada por um conquistador não europeu. Se pudéssemos escutar os cadáveres, tenho a certeza de que o terror seria universal.
Meu problema com o colonialismo por assentamento não está no traje de eu ter uma visão mais otimista sobre a história (ou sobre a história do colonialismo). Ironicamente, está no traje de eu ter uma visão ainda mais pessimista sobre a natureza humana, não excluindo ninguém dessa loja de horrores.
Por último, Bruno Huberman afirma que o colonialismo por assentamento não é necessariamente antissemita. Veste: pode ser exclusivamente ignorância histórico. Mas as consequências da teoria, essas, podem ser antissemitas.
O ignorância histórico está na verificação de duas realidades distintas: se os colonizadores europeus encararam as Américas uma vez que “terreno nullius” (terreno que não pertencia a ninguém, pronta para ser colonizada), os sionistas do século 19 sabiam que a Palestina era segmento do Predomínio Turco.
Viver, trabalhar ou comprar terreno na Palestina implicava autorização das autoridades locais –e, depois da Primeira Guerra Mundial, concordância da potência administrante (o Reino Uno, que acabou por limitar severamente a êxodo judaica em 1939).
De resto, e uma vez que lembra Adam Kirsch, nos primeiros 75 anos da chegada dos puritanos a Massachusetts, os indígenas passaram de 140 milénio para 10 milénio. Na Palestina, e desde a instalação do estado de Israel, a população sarraceno mais do que quintuplicou (de 1,3 milhões para 7,5 milhões).
Aliás, conclui Kirsch, é exatamente por isso que o conflito continua: porque os palestinos não são índios, uma vez que protestava Yasser Arafat, com razão. Não consta que exista um conflito igual na Novidade Inglaterra.
Porquê é evidente, a emprego tosca do colonialismo por assentamento ao caso israelense-palestino só pode ter uma vez que resultado a exortação de uma Palestina “livre”, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. E “livre” de quê?
De “colonos”, ou seja, de judeus. Se isso não é antissemitismo, não sei o que é.
Infelizmente, essa repudiação não é um individual do Hamas e seus simpatizantes. Do lado israelense, cresce uma repudiação igual contra a geração de um Estado palestino e a restituição dos territórios (realmente) ocupados.
Mais um exemplo de que o colonialismo, quando nasce, pode ser para todos.