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A arquitetura e a literatura em Poços de Caldas – 20/03/2025 – Djamila Ribeiro

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Foi a segunda vez que visitei Poços de Caldas (MG) neste ano. Na primeira, viajei com minha sogra, que é de Pirassununga (SP) e já conhecia a cidade. Ela e seu companheiro fizeram a suplente no Palace Hotel, um dos edifícios mais emblemáticos de Poços, construído sobre as famosas águas sulfurosas, conhecidas por suas propriedades terapêuticas. A viagem tinha um propósito familiar, e eu, sem saber a fundo a história da cidade e do hotel, estava disposta a aproveitar os dias.

Ao chegar, fiquei impressionada pela arquitetura do lugar, com seus salões imponentes, colunas ornamentadas e ares de uma era passada. Ao lado do hotel, descobri o balneário, onde me permiti testar banhos e massagens relaxantes, que fazem segmento da tradição da cidade.

Somente depois fui buscar a história do Palace Hotel e descobri que ele foi projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, nome familiar para qualquer pessoa que já circulou pela cidade de São Paulo e viu os letreiros de ônibus com orientação à rossio no Meio.

O arquiteto foi um dos grandes responsáveis pela modernização da arquitetura paulista, assinando projetos icônicos, porquê o Theatro Municipal, a Faculdade de Recta da USP e a Pinacoteca do Estado, entre outros. Seu traço elegante e monumental marcou a identidade de São Paulo no início do século 20, e o Palace Hotel de Poços de Caldas não foge a essa grandiosidade.

Entre os hóspedes ilustres que passaram por ali, porquê Pelé e Carmen Miranda, Getúlio Vargas é uma figura incontornável, pois frequentemente escolhia o Palace Hotel porquê orientação de folga e reuniões políticas. Ao lado do hotel está um cassino monumental, desativado pela proibição do jogo —proibição que fica cada vez mais sem sentido, diante da liberação avassaladora das bets online. Até hoje o hotel mantém virgem o quarto do presidente, disponível para visitas e hospedagem, porquê um lembrete de tempos em que ali se decidiram rumos políticos do país.

Com seus corredores extensos, carpete vermelho e decoração neoclássica, o hotel parece cenário de um filme. Meu colega Ignácio de Loyola Brandão descreveu que ao se hospedar ali se sentiu dentro de “Oito e Meio”, de Fellini, com seu envolvente de estação termal antiga, repleto de personagens singulares e um charme melancólico. Foi uma grata surpresa encontrar seu texto, escrito em homenagem à Feira do Livro de Poços de Caldas, da qual foi patrono no ano pretérito.

Neste ano, a Flipoços celebrará sua 20ª edição, e a patronesse será a historiadora e escritora Mary Del Priore, também orgulho da Liceu Paulista de Letras (APL). O tema da feira será “Biografias: celebrando a vida através do tempo”, campo em que Del Priore é mestra. Entre suas biografias célebres está a de dona Maria 1ª, conhecida porquê “a rainha louca de Portugal”. Mas, a historiadora questiona: “O que a teria levado à loucura? E será que ela era realmente insana? Ou unicamente mal compreendida?”.

Outras obras recentes de destaque de Del Priore são “A Viajante Inglesa, o Senhor dos Mares e o Imperador na Independência do Brasil”, em que conta a história de Maria Graham, esposa de um solene da Marinha britânica que escrevia diários sobre paisagens e seus habitantes, muito porquê sobre acontecimentos do cotidiano. Destaco também “A Breve História da Mulher no Brasil de 1500 a 2000”. Ambas foram publicadas pela editora Vestígio e, durante essa feira que se aproxima, Del Priore lançará sua novidade obra: “Uma História da Vetustez no Brasil”, pela mesma editora.

Entre os convidados, destaco meu confrade na APL, Celso Lafer, jurista e professor emérito da USP, que compartilhará memórias de Antonio Candido, intelectual que passou sua puerícia na cidade. A comitiva de autores de Portugal, país homenageado, também estará presente. Com tapume de 80 milénio visitantes anuais, a Flipoços se consolida porquê o maior festival literário de Minas Gerais e um dos mais relevantes do Brasil. A programação vai de 26 de abril a 4 de maio.

Poços de Caldas é uma cidade que respira história. Nesta última viagem, voltei ao Palace Hotel acompanhada de minha mãe de santo, Mãe Márcia de Obaluaiê. Um mês antes, ela havia me dito que sentia dores nos joelhos, e imediatamente me lembrei das propriedades das águas sulfurosas. Mais do que um banho terapêutico, a viagem se transformou numa travessia pelas memórias do hotel e pelos belos restaurantes pela cidade. E o joelho, simples, ficou muito melhor.

Ao caminhar pelos amplos espaços do hotel, pensei no tempo e naquilo que se preserva. Entre a arquitetura, a literatura, as visitas ilustres e as águas que nunca deixam de dimanar, Poços de Caldas segue sendo um lugar de encontros, memória e tratamento.


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