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5 anos da Covid: Eu estava pejada em plena pandemia – 23/03/2025 – Titi Müller
Vocês também têm a sensação de que algumas pessoas bloquearam mentalmente o que foi a pandemia? Acho que o traumatismo coletivo foi tão brutal que boa secção de nós ainda está vivendo em um estado de estresse pós-traumático.
O objecto voltou com mais força alguns dias detrás, quando o seu início completou impressionantes cinco anos. Quase a idade do meu filho. Não dá nem para querer invocar de natalício um marco tão nefasto, mas foi no dia 11 de março de 2020 que a Organização Mundial de Saúde finalmente passou a invocar de pandemia o que vinha sendo considerada, até logo, uma Emergência de Saúde Pública de Contexto Internacional.
Eu estava pejada de 27 semanas, petrificada por sentimentos ambivalentes sobre o que significava gerar uma vida enquanto o mundo vibrava em uma frequência de morte. Foi potente, desesperador, enchia o peito de pavor, leite, angústia e gratidão.
Gestar, por si só, é abraçar o incógnito. Mas zero nos prepara para a falta de controle totalidade que é viver isso tudo no meio de uma pandemia. Pensava em todas as mulheres que gestaram e pariram durante guerras e pestes, tentando incumbir no processo da vida.
Aquele sentimento de não saber qual mundo viria depois daquele, somente com a certeza de que zero mais seria uma vez que antes. Seria um mundo melhor? Pessoas estocando papel higiênico e álcool gel foi um spoiler de que, definitivamente, não.
Dei a luz ao meu fruto no pico da primeira vaga, com hospitais colapsados, usando uma máscara N95 em um trabalho de parto que durou mais de 30 horas. Muitas passaram pelo mesmo que eu e ainda totalmente sozinhas, já que em algumas cidades do Brasil foi proibida a ingressão de qualquer acompanhante na sala.
Nos noticiários, a informação era de que o país teve 77% das mortes de gestantes e puérperas por Covid-19 no mundo, ou seja, morreram mais mulheres grávidas ou no pós parto cá do que em todos os outros países somados em julho de 2020.
Passei o primeiro ano da pandemia entre a gravidez e o puerpério, morrendo de pavor até do elevador e ainda mais isolada de quem já estava só, longe da família, da minha rede de espeque. Meu pai, que morava no Rio Grande do Sul na era, só foi saber o Benjamin quando ele já estava com um ano de idade, depois de ter tomado suas primeiras duas doses da vacina.
Nunca me recuperei desse traumatismo. Não vejo muito uma vez que ser dissemelhante, depois de passar meses lavando tudo que vinha dentro das sacolas do supermercado, inclusive as próprias sacolas. Sentindo um pavor incontornável enquanto amamentava e assistia, diariamente, aos números de infectados e mortos aumentarem de forma meteórica em todo o mundo enquanto o presidente do nosso próprio país tratava tudo com uma crueldade monstruosa.
Porquê olvidar da imagem de Bolsonaro imitando uma pessoa morrendo sufocada em tom jocoso enquanto milhares de brasileiros estavam vivendo exatamente aquele drama naquele momento? Até hoje não entendo uma vez que consegui produzir leite em um contexto uma vez que aquele.
Embora cada uma tenha vivido sua própria pandemia, só quem gestou e pariu em 2020 sabe o pesadelo que foi. Tanto que hoje, quando vejo outra menino da mesma idade do meu fruto e pergunto sobre uma vez que foi o processo para a mãe, na maioria das vezes faltam palavras para responder.
Tínhamos tudo para ter pretérito muito melhor por tudo isso. Dos anos 1970 em diante, o Brasil se tornou referência mundial em vacinação, oferecendo mais de vinte tipos de imunizantes aos brasileiros, e tendo conquistado feitos relevantes, uma vez que a erradicação da varíola e da poliomielite. Nossa cobertura vacinal esteve por décadas entre as maiores do mundo, sempre andando pela morada dos 90%.
Mas elegemos um governo negacionista que, no primeiro teste de queima, fracassou terrivelmente. Seja perdendo tempo para comprar vacinas, propagando medicamentos ineficazes, relutando em infligir medidas de restrição de circulação ou até mesmo lutando em prol do vírus, espalhando mentiras que beiravam o mais puro delírio.
Não consigo olvidar do dia em que o presidente insinuou que a vacina podia transmitir HIV. Perdemos centenas de milhares de vidas. Lamentavelmente, um estudo da Oxfam Brasil estimou que, no primeiro ano da pandemia, de março de 2020 até março de 2021, muro de 120 milénio mortes poderiam ter sido evitadas se o Brasil tivesse adotado medidas de distanciamento social mais eficazes.
Sempre achei curioso o vestuário de que algumas pessoas passaram a se referir a tudo aquilo que estávamos vivendo uma vez que “essa pandemia”, uma vez que se em qualquer lugar já soubéssemos que seria a primeira da nossa geração, mas não a última.
E, sim, outras pandemias certamente virão. Quem diz isso não sou eu, mas a ciência. Em primeiro lugar, porque embora tenhamos reagido com uma velocidade incrível, e de forma global, para evitar que a catástrofe fosse ainda maior, não parece que estamos fazendo muita coisa para evitar que uma novidade doença misteriosa provoque um novo surto a qualquer momento.
Cada intensidade a mais na temperatura do planeta colabora de forma decisiva para o derretimento do permafrost, uma categoria de gelo permanente localizada quase toda no setentrião do mundo, na região do Ártico. E, com isso, novos vírus e bactérias contra os quais não temos defesas são liberados na atmosfera.
Será que vai dar bom isso? Será que tem alguém realmente preocupado com isso? Sabe quantos países estão, atualmente, investindo para evitar que essa categoria de gelo desapareça completamente? Zero.
Não sou a única traumatizada com o que passamos todos, aqueles que sobreviveram e aqueles que não conseguiram. Torço muito para que o meu pavor, minha raiva e meu desespero de passar novamente por tudo aquilo também estejam muito vivos nas mentes e nos corações de gente que não somente possa uma vez que esteja trabalhando muito duro para evitar que um pouco assim se repita, mas, infelizmente, os últimos cinco anos –e a verdade que vivemos atualmente– me tornaram muito mais realista do que otimista.