Pela janela entram os sons do surdo, do tamborim, da guitarra… e provocam uma vibração na sala. O coro é alvissareiro: “Chegou a Turma do Funil, todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto/ Ha ha ha ha, mas ninguém dorme no ponto/ Nós é que bebemos e eles que ficam tontos“. Se chegou, está tudo visível.
Os blocos não cantam a primeira secção da marchinha, que descreve o bar fechando as portas, as cadeiras com os pés para cima e o garçom com sono. É aí que entra o cordão dos pinguços. Chico Buarque, Miúcha e Vinicius gravaram a versão integral: “Enquanto houver garrafa, enquanto houver barril/ presente está a Turma do Funil!”.
Tão publicado ou mais é o estribilho “Você pensa que cachaça é chuva?/ Cachaça não é água não/ Cachaça vem do destilador/ E chuva vem do ribeirão”. Há quem interprete a letra porquê um aviso para moderação na beberança, mas basta ouvir os versos seguintes para ver que a verdade é muito mais divertida —e faceta de pau. A letra defende os dois pés na jaca. A esbórnia é bravateira.
A marchinha argumenta: “Pode me faltar tudo na vida/ Arroz, feijoeiro e pão/ Pode me faltar manteiga/ E tudo o mais não faz falta não/ Pode me faltar o paixão/ E disso eu até acho perdão/ Só não quero que me falte/ A danada da cachaça”.
Quando se tornou o maior sucesso do Carnaval de 1953, o jornal A Manhã estampou a manchete “Todos estão querendo cachaça”. A elaboração, que gerou controvérsias pois atribuída erroneamente a Mirabeau Pinho (um dos pais da Turma do Funil), é de um boêmio professor de folclore músico, Marinósio Trigueiros Rebento.
Baiano, vivendo em Londrina (PR), o músico havia escrito os versos num guardanapo em um bar em Salvador. Traindo a própria letra, era um bebedor de uísque. O curioso é que havia gravado a música oito anos antes de estourar nos blocos cariocas em Montevidéu, no Uruguai. Ela foi lançada por Marinósio e su conjunto típico Afoxé no lado B de um compacto, com pouca repercussão. Ou repercusión.
Outro baiano, infinitamente mais famoso, gravou em 1977 o álbum “Caetano… muitos carnavais…”. O disco trazia muitos frevos, a maioria escritos por ele, porquê “A Filha da Chiquita Bacana” e “Detrás do Trio Elétrico”. Carnavalizou a vida com excitação tropical(ista).
Uma das músicas era “Chuva, Suor e Cerveja“, que começa com o memorável verso “Não se perda de mim/ não se esqueça de mim/ não desapareça”. Mas o que nos interessa está mais para a frente: “A gente se embala/ se embora, se embola/ Só para na porta da igreja/ A gente se olha, se beija, se molha/ de chuva, suor e cerveja”. Mais completa tradução da folia de rua.
E “Eu Bebo Sim”? O samba de Luiz Antônio e João do Violão é uma tese de doutorado sobre a vida bêbada, mais uma joia da faceta de pau etílica. A divina Elizeth Cardoso a cantou com estrondoso sucesso em 1973 e estabeleceu o sarrafo. Muitos tentaram superá-la, dos Golden Boys aos Velhinhos Transviados. Nessas, correram rios de cachaça. Pois, “estou vivendo/ tem gente que não bebe e está morrendo”.
CARNIVAL
40 ml de cachaça
25 ml de licor de coco
15 ml de xarope de maracujá
10 ml de suco de limão
Ponha gelo moído e os ingredientes num copo old-fashioned e mexa. Complete com gelo moído e decore com uma rodela de limão.