“No meu tempo”, diziam os veteranos da Redação, “para fazer jornalismo era preciso gastar a sola do sapato”. Isso ainda ouvi eu muitas vezes, quando ia entregar (em disquete!) as minhas críticas de arte ao jornal lisboeta no qual me iniciei, há uns trinta anos.
“As histórias não caem no pescoço da gente!”, sentenciavam. E, para fechar o tópico, acrescentavam uma pitada sobre os jornalistas que revelaram o escândalo de Watergate ou os papéis do Pentágono: anos cultivando fontes, com encontros escusos em garagens escuras, lendo documentos, correndo riscos.
Isso era antes. Hoje, nos tempos de Donald Trump, um jornalista pode simplesmente ser adicionado a um grupo de Signal —como aconteceu a Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic— com o vice-presidente dos Estados Unidos, o secretário de Resguardo, o secretário de Estado, a CIA, e mais uns quantos conselheiros do presidente, todos combinando um ataque aos houthis do Iêmen. E depois deslindar que tudo aquilo é verdade, no parque de estacionamento de um supermercado, enquanto confirma que as bombas sobre as quais acabou de ler estão a explodir no mar Vermelho.
Lamento pelos velhos jornalistas. Mas aquilo que esta história revela confirma uma heresia que aprendi da minha experiência uma vez que crítico de arte, depois historiador, e político praticante. A verdade é esta: um artista pode ter notabilidade de desorganizado, de não executar horários, de ter a vida num caos e, no entanto, não há uma exposição que faça que não tenha sido pensada ao pormenor.
O mesmo não se pode expor do governante: o político cobiçoso pode ter levado anos de preparação para chegar ao função, crer verdadeiramente num programa, em fundamento, em ideologia e, depois, no momento da realização, tudo permanecer dependente de uma pugna de egos, uma omissão de informação, uma enxaqueca.
Os governantes não querem que se saiba isto, porque os governados já andam ansiosos o bastante. Mas quem está no meio da ação não é sempre quem tem mais informação. Já ouvi primeiros-ministros dizerem “ah, que saudades da oposição, quando eu tinha tempo para ler um jornal!”. E a implementação está dependente de uma masmorra de comando que nem sempre interpreta as ordens ou as executa uma vez que solicitado —se é que o comandante sabe o que quer.
Por isso nunca me convenceram os argumentos de que, por trás da loucura de Trump, haveria uma sofisticação oculta. Há economistas inteligentes que não entendem a política tarifária de Trump e afirmam que ele tem um projecto secreto para refazer os acordos de Bretton Woods em Mar-a-Lago.
Não; Trump é aquilo que parece. Provavelmente não sabe a diferença entre Bretton Woods e um campo de golfe. O seu caos é unicamente caos.
Estes vazamentos provam o mesmo sobre os seus sequazes. O vice J. D. Vance é movido pelo rancor à Europa. O secretário de Resguardo, Pete Hegseth, pela vontade de mostrar poder. O mentor de segurança interna Stephen Miller, pela de deleitar ao patrão. Não há mais sofisticação do que isto.
Dizia Axel Oxenstierna, grande líder político sueco durante toda a Guerra dos Trinta Anos: “Não sabes, meu fruto, com quanta estultícia é governado o mundo?”.
Essa é uma das poucas leis da história que ainda ninguém conseguiu rejeitar.