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Uma vez que amar um varão tímido – 27/03/2025 – Tati Bernardi

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Quando eu saí de morada com seu nome tatuado na testa, usando uma camiseta com seu rosto estampando em neon, borrifando nos passantes o cheiro do seu pescoço (a meu ver, um estupefaciente festivo da melhor qualidade), apontando para sua cabeça com um totem de seta inflável a cada vez que me perguntavam “Nossa, você parece tão muito, o que aconteceu?”, e gritando em janelas e ouvidos que estou indecentemente apaixonada, percebi que você, ainda que esboçando a fórceps gratidões e sorrisos, planejava falecer. Logo entendi que devo mesmo respeitar sua timidez.

Quando avistei você chegando na esquina da minha rua e corri para te abraçar de forma intensa e desengonçada e caímos, batendo a cabeça no meio-fio, e eu, trêmula e parcialmente cega, enquanto você chamava a ambulância, aproveitei para fazer um coração de sangue no asfalto e grafar nossas iniciais (depois fotografei a declaração de amor sangrenta para as redes sociais e pensei fazer um relicário, mas por término talhei o coração na mesocarpo do meu peito) e vi que você estava pesquisando porquê apressar o processo da cidadania portuguesa para fugir daqui em definitivo, achei por muito repensar minhas ações.

Quando, em um evento social, você sentou em um quina e disse que odiava eventos sociais e redes sociais e fazer social, isso me fez gostar tanto de você que precisei anunciar escandalosamente para as 179 pessoas à minha volta que eu não me importava com nenhuma delas, só com você, e por isso eu ia embora, reparei que você ficou da cor roxa-ametista e depois te encontrei encolhido detrás de uma pilastra fazendo de conta que procurava uma tomada para o carregador de celular que você não tinha levado, percebi mesmo que era a hora de eu parar.

Quando você dorme cá em morada e acorda com 78 balões amarrados aos pés da leito e outros enlaçados em seu corpo e alguns já colados no teto, e em todos os balões está escrito “Caceta porquê é maravilhoso estar com você” e “Pelo paixão de Deus o que é isso que estou sentindo” ou portanto “Comprei o pão com oliva que você curte e seu suco de maçã de caixinha (sou contra esse suco, mas faço qualquer coisa por você)” e percebo que você tenta, enquanto conserta a minha máquina de moca pela décima vez, procurar ansiolíticos na minha gaveta, eu só penso em porquê você deve se sentir. E sinto muito.

Quando roubei o coche da pamonha para trespassar pela cidade gritando “Olha aí, olha aí, freguesia: eu te senhor, te senhor, te senhor” e parei em frente a sua janela e percebi que você estava pensando em pular, ainda que com dificuldade (já te falei que essa bermuda tá apertada), do décimo quarto marchar, eu confesso que finalmente notei que estava mesmo exagerando. Vou melhorar.

Quando, durante um programa de entrevista, ignorei por completo a pergunta sobre a preço política da literatura autobiográfica feita por mulheres e somente abri a camisa para mostrar que nos meus seios estava escrito o seu nome e a pergunta “Quer permanecer para sempre comigo?”, e logo em seguida as dançarinas que eu contratei entraram cantando em 25 línguas somente a resposta “SIM” e você, fiquei sabendo pela sua família, precisou ser reanimado por um desfibrilador, eu respirei fundo e tomei a decisão de que a partir de agora devo amá-lo de forma mais contida.


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