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Trump não está jogando Xadrez 4D – 07/04/2025 – Joel Pinho da Fonseca

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O trabalho do colunista —ou do comentarista— é, em boa medida, revelar alguma ordem na torrente de fatos e dados em que estamos imersos diariamente. É fácil se afogar na multiplicidade. Precisamos daquilo que organiza: relações causais, narrativas que deem sentido, conhecimento das intenções e planos dos envolvidos, ainda que ocultos. O dia a dia do comentarista consiste em incorporar novos fatos às narrativas possíveis, sempre reavaliando quais delas ainda fazem sentido e quais estão ruindo diante da veras.

A tentativa de encontrar ordem, porém, segmento da nossa mente. A veras nem sempre colabora. Aleatoriedade, incompetência, erro; tudo isso também existe. E tudo indica que é o caso do tarifaço de Trump.

Desde que foi anunciado, deixou todo mundo perplexo. As tarifas vieram muito supra do previsto, e sem qualquer relação com a teoria de “reciprocidade tarifária” que supostamente guiaria o projecto. Países que mal taxam produtos americanos, porquê Suíça e Israel, foram alvos de tarifas pesadas. Outros, notoriamente protecionistas, porquê o Brasil, ficaram com a tarifa mínima de 10%.

Tem sido quase jocoso observar às acrobacias de muitos liberais econômicos tentando justificar o tarifaço. Segundo alguns, as tarifas anunciadas no dia 2 são unicamente uma jogada inicial: um blefe calculado, que abriria espaço para negociar taxas menores num horizonte próximo.

Só esqueceram de combinar com o próprio Trump. Ele tem sido simples em proteger a volta dos empregos industriais aos EUA. Se daqui a algumas semanas ele recuar para tarifas inferiores às que já existiam, não haverá renascimento industrial nenhum. Ou por outra, ele não pode retroceder demais por culpa do buraco fiscal. Precisa de tarifas robustas para gratificar, ainda que parcialmente, os cortes de impostos com os quais pretende aquecer a economia, e que devem reduzir a arrecadação em murado de US$ 5 trilhões ao longo da próxima dezena. Caso contrário, o rombo nas contas públicas pode se transformar em uma crise ainda mais grave.

As tarifas, portanto, vieram para permanecer. Não duvido que Trump queira, mediante negociações, reduzi-las a um patamar menos catastrófico —mas não será inferior do que já estava em vigor. Ainda que se aceite que o protecionismo é mesmo a política econômica, todavia, resta a pergunta: por que essa tábua desigual, com tarifas personalizadas para cada país, baseadas numa equação arbitrária dos fluxos comerciais? E por que mudar as regras com tanta frequência, a ponto de ninguém saber se a tábua ainda estará de pé em duas semanas? A incerteza, por si só, já tem cobrado seu preço, inclusive nas bolsas.

Em vez de procurar um projecto oculto, talvez caiba reconhecer um tanto mais simples: 1) Trump realmente gosta de tarifas, porquê vem dizendo desde os anos 1980. 2) Ele não faz ideia do que está fazendo e os bajuladores a seu volta são incapazes de limitá-lo.

Não há xadrez 4D. Não há projecto secreto. Não há genialidade tática prestes a nos surpreender. Quem insiste nisso está unicamente procurando, a cada novo sinistro, um motivo para não permitir que errou. Às vezes, uma burrada é unicamente uma burrada.


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