Conecte-se conosco

Esporte

Tenho a família perfeita, mas não estou feliz. Uma vez que mourejar? – 19/03/2025 – Paixão Crônico

Published

on



Se você não está feliz, a família é perfeita para quem? Para os posts, para os almoços na moradia da sua avó, repletos de primos com casamentos visivelmente em crise, ou para o grupo de WhatsApp dos pais da escola, que admiram a sintonia entre você e seu marido na geração dos filhos e no carinho um com o outro?

Essa primeira classe, moldada pelas expectativas alheias, até poderia ser fácil de desconstruir. O duelo maior é consentir que essa talvez seja a família perfeita para o seu próprio ideal —aquele que você projetava desde gaiato e que hoje vê suas crianças desenhando no sulfite numa tarde tranquila de domingo. Um figura que quase funciona uma vez que um atestado da sua vitória uma vez que mulher: no jogo da vida, você conseguiu levar seu carrinho até a moradia da família estruturada —pais ainda cúmplices, ainda transando, ainda compartilhando responsabilidades e dicas de filmes do Mubi. E, no banco de trás, um par de filhos bem-educados, carinhosos, criativos e que (milagre!) quase não recorrem às telas.

Mas se a aparente vitória nos diz sobre satisfazer o ideal de eu e o eu ideal, a angústia nos lembra que nossos desejos não são lineares uma vez que as casas de um tabuleiro.

Por que sua infelicidade não pode ser uma justificativa relevante o suficiente para o término de um casamento? O arrebatador e aterrorizante do paixão é que ele nos escapa. É um sentir sem perímetro, sem solo. No início, é vertigem; no término, exiguidade —de sentir e de sentidos. Se somos incentivadas a crer na potência irracional do paixão quando ele surge, por que abafamos a voz que nos diz que há um pouco inverídico quando nos tornamos ausentes de nós mesmas?

Infelizmente, essa autorização do libido de ser feliz em outra feição é muito mais difícil para nós, mulheres. Historicamente, fomos ensinadas que paixão é zelo e repúdio: é passar por cima dos próprios desejos, limites e ambições em nome do bem-estar daqueles que amamos. A mulher é aquela que, ainda moça, ganha a boneca uma vez que primeiro brinquedo para aprender a cuidar. Cresce vendo a mãe cuidando da moradia, dos pais idosos, da depressão do marido. Escuta a avó narrar, orgulhosa, que abriu mão dos próprios planos para se destinar aos filhos

Amar, para muitas mulheres, foi um manobra de aprender a ser coadjuvante. Em inglês, se diz “supporting role” —papel de suporte, na tradução literal. Pois muito. Quanto mais pudermos ser os alicerces para o protagonismo dos que amamos, mais ficaremos felizes com a felicidade da família. Quanto à nossa? Melhor não mexer nisso e sublimar o próprio incômodo. Aprendemos também que amar era sofrear — sofrear a raiva para manter a simetria, sofrear a voz para preservar o outro. E, de alguma forma, também entendemos que nos cabia sofrear o núcleo familiar. E assim a esmagadora maioria das mulheres ainda se culpa pelo libido de se separar, uma vez que se estivesse destruindo a família ao desconstruir o himeneu. Uma vez que se essa escolha individual fosse gerar consequências fatais nas emoções das crianças.

O perverso é que muitos maridos manipulam essa culpa feminina para silenciar o libido de autonomia. “Você é interesseiro”, “uma vez que pode largar sua família?” são frases usadas para sufocar um libido legítimo em nome de um suposto bem-estar coletivo. Mas que bem-estar é esse quando uma das partes se sacrifica?

Deslegitimar a própria infelicidade e esperar o surgimento de um motivo concreto para justificar o divórcio é uma tentativa de dar perímetro a uma temporada inevitavelmente angustiante. O incidente incitante nos dá a ilusão de que a quebra da relação aconteceu por “justa desculpa” e nos tira do suposto papel de vilãs da história. Mas quanto mais a mulher adia a decisão, buscando justificativas incontestáveis para transpor, mais fragilizada e infeliz ela se torna. A insuficiência cresce na mesma medida que sua vitalidade se esvai, tornando-a refém de uma vida de paixão terceirizado. Não querendo ser vilã dos outros, tornou-se sua própria carrasca. Mas será mesmo que os finais precisam sempre de vilões?

Pensar na própria felicidade não é rejeitar a família nem ameaçar o desenvolvimento infantil. Pelo contrário, é ensinar, pelo exemplo, a possibilidade de reinvenção. Mostrar às crianças que paixão não precisa ser sinônimo de sacrifício, mas de integridade e reverência aos próprios limites. Regularizar as separações é incentivá-las a buscar caminhos para serem mais felizes quando sentirem premência. O himeneu se desfez, mas a família, não. O paixão se reconfigura, caleidoscópico.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul aquém.



Acesse a fonte

Continue lendo
Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Chat Icon