Elevar em um país com subida estratificação social não é fácil, nem mesmo um fado geral a todos. Exige uma rara combinação de disciplina, persistência e saber aproveitar as poucas oportunidades que surgem. E, em teoria, aqueles que vêm de reles e conseguem progredir em uma sociedade orquestrada para excluí-los deveriam ter a mais contundente das confirmações da força da própria estirão. Mas isso nem sempre ocorre.
Para os que conseguem perceber patamares nos quais poucos têm lugar ou, ao menos, uma exigência mais digna, o sentimento inicial até pode ser de euforia. Mas ele é, quase sempre, passageiro. Logo abre caminho para o vento contrário da incerteza. Surge a sensação de estar invadindo um território alheio, de ter entrado em um lugar no qual a força da seriedade empurrando para reles parece ser ainda mais poderoso e onde qualquer deslize pode ser interpretado porquê prova de que nunca se deveria ter atrevido a ocupar uma posição mais elevada.
Na geografia da incerteza, em que várias demarcações costumam ser feitas pelas brechas da linguagem não dita, as minorias acabam sendo assoladas com peculiar crueldade. Não basta chegar. É preciso justificar a presença. Repetidamente. Cotidianamente. Sem falhar.
Esse é o terreno fértil da chamada síndrome do impostor, que não é uma fragilidade individual, mas, corriqueiramente, revérbero de um sintoma de não se sentir pertencente a um cerco elegante que sabe manter os seus. Um sentimento crônico de inadequação que se manifesta mesmo diante de diversas conquistas. Um incômodo que nasce da dissonância entre o que se vive e o que se esperava viver.
Talvez ainda mais grave seja o impacto que a incerteza pode gerar no desenvolvimento. Quando se internaliza a crença, mesmo inconscientemente, de que não se é digno do lugar que ocupa, o corpo e a mente reagem. O pânico paralisa. A sofreguidão se infiltra. A voz treme. O sono lacuna. E, de forma a princípio imperceptível, instala-se o ciclo de autossabotagem.
Essa embuste emocional secção de uma instabilidade que vai, aos poucos, travando as pessoas, levando-as a minar suas possibilidades de progresso e favorecendo a procrastinação. E os gatilhos para isso são diversos. Pode ser um observação atravessado em uma reunião. Um olhar estável de suspicácia. A solidão de ser um dos poucos sobreviventes de um apartheid velado em uma sala enxurro de pessoas lapidadas no privilégio. Tudo isso alimenta a crença de que o pertencimento é provisório.
Aliás, costumamos exaltar os poucos que “venceram na vida”, mas ignoramos o quanto essa vitória frequentemente serpente o preço da autocobrança excessiva. Esquecemo-nos de contabilizar o dispêndio psíquico de ser exceção em um sistema que opera sob uma silenciosa ramificação de castas.
E, no final, temos o curioso vestimenta de que aqueles que correram as maiores distâncias, aqueles que superaram os maiores desafios, aqueles que menos deveriam duvidar de si mesmos são, na maior secção do tempo, os mais afetados quando expostos aos ambientes nos quais a normatividade se define pelo privilégio.
Leste texto é uma prolongamento da pilar anterior, chamada “Você não é um dos nossos”, e uma homenagem à música “O Vencedor”, interpretada por Los Hermanos.