Hoje vou aproveitar esse espaço para fazer um desagravo a dois importantes parceiros, que me acompanharam durante muito tempo. Geralmente incompreendidos e nunca lembrados positivamente, sempre estiveram juntos, ao meu lado, e, agora que já não estão mais tão próximos, é que posso julgar melhor a falta que faz essa dupla: a rotina e o estresse.
Quantas vezes ouvimos conselhos uma vez que “não desabar numa rotina”, ou “desvelo com o estresse”? O que é rotineiro é quase sinônimo de macio, e ninguém elogia ninguém chamando de estressado.
E são aconselhamentos sábios, pois ambos são uma vez que aquilo que o famoso alquimista Paracelso falava sempre (e falava tanto, que o horroroso trocadilho, já na estação, era inevitável: “Para, Celso, para!”): “A ração faz o veneno”. Quando consumidos em grande quantidade podem ser fatais, mas também podem servir de remédio e até de tratamento, se usados com parcimônia e responsabilidade.
Durante murado de duas décadas, fizemos um programa no horário transcendente, onde escrevíamos e atuávamos: uma dupla jornada tal qual resultado do trabalho e esforço era mensurado, semanalmente, por um mecanismo de pressão chamado “índice de audiência”.
Tente fazer tudo isso sem método, organização, expediente e, principalmente, sem gostar um pouco (ou muito) do friozinho na ventre que a obrigação de entregar e vencer dá.
Simples que a adrenalina que dá vaga também vicia e pode intoxicar, mas é aquela coisa, sem colocar um pouco de hora nessa calma, ninguém sai do lugar.
O mesmo vale para a muitas vezes difamada rotina. Aqueles que a temem e fogem dela, podem ser privilegiados, no sentido que conseguem viver o “cada dia é um dia”. Ou, simplesmente, esquecem —talvez ainda não tenham se oferecido conta— que a vida é curta, mas os dias são longos.
Pois é, se rotina e estresse fossem só vilões, a gente não teria chegado até cá. Ainda seríamos caçadores-coletores, ou nem isso, porque até esses também têm seus hábitos rotineiros e enfrentam, diariamente, um dos maiores estresses: o temor da escassez.
Sem um pouquinho de programação e organização, tudo pode virar um caos e isso pode ser muito estressante. Sem um tantinho de pressão, nossas ideias e tarefas não sairiam, rotineiramente, do rascunho. É uma vez que aquele moca que anima: na medida, faz a gente produzir; em excesso, dá taquicardia, insônia e impaciência (que parece com ele, mas é só prima distante do estresse).
Aos que reclamam, sem deixar de ter razão, da “dura rotina”, de “muito estresse no trabalho”, ou pior, da “rotina estressante”, um consolo, aviso ou recomendação: trabalho ruim é trabalho pouco e “precarização” de verdade é o desemprego.
E tem dia para tudo, para desabar ou fugir da rotina e, principalmente, para desestressar. Portanto, antes de maldizer a rotina ou crucificar o estresse, vamos usá-los, com moderação, para jogar o jogo e comemorar muito —e sem estresse— as vitórias rotineiras.
Enfim, com exceção do casal Putin e Trump, tudo pode ter um lado bom.