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Regina Duarte, Pedro Bial e o mito do Brasil cordial – 26/04/2025 – Thiago Stivaletti

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Foi difícil de engolir o retorno de Regina Duarte à Globo, na estreia da nova temporada do Conversa com Bial. O motivo da conversa era a celebração dos 40 anos de “Roque Santeiro“, a novela de maior audiência na história da emissora. Bial descreveu o retorno porquê “a volta da filha pródiga”.

A frase de Bial não foi gratuita. Fez referência à parábola bíblica em que um rebento desperdiça toda a sua legado e volta para morada, recebido pelo pai com perdão. Foi o que Regina fez nos últimos anos: desperdiçou a sua legado, a galeria mais rica de personagens que uma atriz poderia receber em qualquer TV do mundo, aceitando fazer parte de um governo inimigo da cultura –e inimigo pronunciado da própria Orbe.

As ironias involuntárias se sucederam durante os 30 minutos da conversa. Bial mostrou uma foto da comitiva de atores que foi a Brasília em 1975 pedir ao ditador Ernesto Geisel que liberasse a primeira versão de “Roque Santeiro”, que teria Betty Faria no papel da Viúva Porcina.

Regina estava lá na comitiva, que não foi recebida por Geisel, e a romance foi abortada com 30 capítulos já gravados. Uma vez que sempre, Regina ri, quase gargalha ao lembrar do momento, porquê se lembrasse de um passeio no parque ou de uma cena icônica de romance. É a própria encarnação do brasiliano cordial, rindo e sorrindo ao lembrar de um incidente que não tem a mínima perdão.

O MITO ONTEM E HOJE

Em seguida, Laura Mattos, jornalista da Folha e autora de um livro fundamental, “Herói Mutilado: ‘Roque Santeiro’ e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura“, lembrou que a peça e a romance foram censurados três vezes ao longo de 20 anos e resumiu do que se trata a obra de Dias Gomes.

“A história fala da premência que temos de confiar em mitos, a força dos falsos heróis”, disse, ao lado da atriz que venera um falso mito até hoje.

Regina ganhou palco para discursar contra a exprobação, porquê se seu presidente fosse alguém em prol da liberdade de frase, seja na prelo ou nas artes. Em seguida, o programa mostrou duas cenas de “Roque Santeiro” que continuam falando do Brasil, 40 anos depois.

Numa delas, a Viúva Porcina prenúncio dar um tabefe na face de sua empregada, a leal Nina (Ilva Niño), para logo depois abraçá-la. “Quanto afeto tem nessa cena”, comentou Bial, ignorando a secção do tapa. Uma vez que se as relações entre patrão e empregado no Brasil fossem assim mesmo, cheias de violência implícita, mas também muito carinhosas. Dá-lhe Brasil cordial.

Na outra cena, o coronel Sinhozinho Mamparra (Lima Duarte) fala que está com terror de ir para a calabouço, e Porcina o consola, dizendo que ele tem moeda demais para ser recluso. “Eu posso não ser recluso, mas posso ser desmoralizado, e isso também não é bom”, diz o coronel, numa frase que caberia na boca de Bolsonaro depois que o Supremo abriu ação penal contra ele.

CASSINO DO CHACRINHA

Mas o pior estava por vir, nos três minutos finais do programa. Numa tentativa canhestra de manter o papo sobre o tema inicial da exprobação, Bial diz a Regina: “Você comprou uma combate com um território da esquerda, que são as artes e espetáculos, e se alinhou com a direita. Você foi censurada pelas pessoas! As pessoas cancelam e se orgulham de cancelar e de exprobar!”.

Vamos lá, Bial. Em primeiro lugar, direita é o PSDB, o PMDB, o PDT –o governo Bolsonaro foi de extrema direita. Segundo: para exprobar, é preciso ter o poder em mãos –seja ele político, econômico ou tecnológico.

As pessoas de esquerda nas redes sociais atacaram, criticaram e até xingaram Regina por ela ter se coligado a um governo que promoveu um desmonte em toda a cultura. Que fique evidente: Regina não é nem foi uma vítima da exprobação –muito pelo contrário, aceitou um incumbência federalista sob as asas da Presidência da vez, que depois tentou se perpetuar no poder ignorando os processos eleitorais.

“Sinto que a sociedade já evoluiu, já está capaz de entender que eu possa fazer escolhas, e que não tenho que seguir o evangelho A, B ou C”, respondeu Regina, dando a entender que as críticas às suas posições políticas eram mera questão de falta de evolução.

Calma, ainda não acabou. “E viva Fernanda Torres, e viva ‘Ainda Estou Aqui’!” brincou Bial, eufórico, adicionando mais ingredientes num poço de contradições chamado Brasil. “Isso! Vivaaa!”, bradou nossa estrela bolsonarista que brinda ao que romper. “E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!”, respondeu Bial, recebendo o espírito nonsense de Chacrinha.

Por um momento, achei que o Velho Guerreiro ia ressuscitar e entrar no estúdio para completar a “festinha da democracia” –que nunca é demais lembrar, sobreviveu por pouco diante da trama golpista do ex-chefe de Regina.

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Uma vez que roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Orbe) e o TVZ (Multishow)



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