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Receita para uma crônica de Carnaval

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Uma crônica de Carnaval deve logo seguir pelas ruas uns tantos passos até deixar toda essa falação para trás. Deve reputar o azulão do firmamento, contente que leste ano não paire sobre a cidade nenhuma prenúncio de tempestade. Deve se animar a tomar o primeiro trago e com ele admitir que seu corpo de crônica vá se achegando aos outros corpos, sobretudo aos corpos reais de amigos leais, deve com eles se pacificar e festejar enfim a introdução dos trabalhos de folga.

É mais ou menos por essa profundidade que uma crônica de Carnaval vai perdendo a congruência, a coesão, a forma, vai assumindo um outro tom que seu início não anunciava. Agora a crônica está descontraída, jubiloso, fagueira, desajeitada, nem sinal de sua melancolia ou de seu pessimismo emprestado, a crônica agora festeja. Esse é o exato ponto em que lhe convém tomar qualquer coisa possante, sacar do bolso seu cantil de cachaça e sentir uma vez que a linguagem vai ganhando contornos improváveis, uma vez que se põe a falar de alalaôs e ziriguiduns e balangandãs, e de repente já se vê entoando cimo, entre as vozes da gente, ô abre alas, que eu quero passar, eu sou da lira, não posso negar.

Aí já não cabe mais à crônica de Carnaval nenhuma atenção maior ao sentido, à sintaxe, à unidade vocabular, as próprias palavras estão bêbedas e começam a despirocar. Adeus, termo!, a crônica exclama porque já se permite exclamar. Venha a marcha, o samba, a dança, o som, o porre, o suor, o ósculo, o agarrão, o sexo, a orgia, o torpor, a perdão, o sono.

Dá-se na crônica de Carnaval, por término, um ligeiro lapso temporal, e ela desperta mais tarde ainda um pouco embriagada, temendo a iminência da ressaca. Mas feliz, sobretudo, feliz porque o Carnaval ainda é jovem e referto de vida e lépido e rútilo, e porque o povo ainda desabafa uma vez que desabafava dantes, e ainda sabe galhofar uma vez que brincava outrora. E porque o Carnaval não acabou e nem vai finalizar, o Carnaval é coisa séria e não há de morrer nunca.



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