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Quem procura acha: viver é sempre pra ontem – 16/03/2025 – Morte Sem Tabu

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Estava preparada para comemorar mais um fiscalização médico sem alterações, clicando despretensiosamente sobre a vocábulo “resultado” enquanto trabalhava atrasada para levar a rapaz na escola, quando, de repente, lá estava, uma vez que quem não quer zero, um descoberto.

Li as palavras sem compreender muito, tomando consciência de que podia ser alguma coisa ruim, em um daqueles momentos em que não sabemos exatamente se estamos acordadas ou no meio de um pesadelo.

Copiei o nome da provável doença a ser considerada e, mesmo sabendo que não devia, joguei no Google para passar os próximos incontáveis minutos lendo sobre eventos raríssimos e devastadores, já projetando minha filha crescendo sem a mãe e minha mãe enfim descobrindo a pretexto de seus problemas de saúde que nos atormentam há 13 anos sem diagnóstico. Pior, comecei a imaginar que o que quer que existisse estaria também na cabeça da minha filha de três anos.

Acho que preciso de você, disse ao meu marido quando ele atendeu minha relação dizendo que estava muito ocupado.

Já escrevi em um texto cá no blog que sempre imagino os piores cenários em todas as situações e que, por isso, a cada vez que não se confirmam, sinto uma alegria quase proporcional à tristeza que teria sentido se acontecesse o contrário.

Mas não dessa vez. Dessa vez a correria do dia me capturou e eu teria sido surpreendida por qualquer peroração que não fosse rigorosamente tudo dentro da normalidade.

Em um livro que li há muitos anos, “O doente imaginado“, o médico Marco Bobbio tece considerações ao que chamamos comumente de “quem procura acha”. Mesmo os benefícios de exames de rastreio de doenças graves, uma vez que cânceres, são questionáveis em muitos casos, porque, em termos populacionais, podem concluir gerando intervenções desnecessárias e angústias de eventos que, na maioria das vezes, nunca vão se realizar. A sonância de crânio que fiz para investigar alguma coisa estranho e atípico que está acontecendo no meu olho recta não me ajudou a desenredar o problema que eu já tinha. E agora me criou um novo.

Conhecia os riscos de ocorrer. Já deixei de investigar questões de saúde por isso. Nem tudo faz sentido, principalmente se não há muito que possamos fazer a saudação de eventual resultado.

Mas a vida não funciona em projeção de se’s e o que está feito está feito. Não adianta pensar que era melhor ter deixado para lá. Fiquei partida, a ponto de meu marido marcar uma consulta com um neurocirurgião para olhar meus exames e ir sozinho. De minha segmento, parecia suficiente me enrolar no edredom em posição fetal enquanto imaginava cenários horríveis para daqui a uma dez.

Não foi a tranquilidade que o médico passou para o meu marido que me fez transpor do torpor. Conviver com o risco aumentado de qualquer coisa assusta. Cresci sabendo que tinha muito mais chance de perder a visão do que a maioria das pessoas. Fui me adaptando à verdade e lendo o mundo com mais pressa. Depois que minha mãe teve um primeiro AVC hemorrágico, aprendi que sua chance de ter outros eventos era significativamente maior. Isso nos aproximou e fez com que estivéssemos muito mais juntas. Quanto mais tempo a gente acha que tem pela frente, pior a gente usa.

O que me tirou do edredom para fazer as coisas comuns do dia, e até grafar nascente texto, foi a negociação manente da vida que faço comigo. Se eu não sei quanto tempo de qualidade tenho, não vou ficar esperando ele passar. E se já vivo intensamente com a recordação de que ninguém tem garantia de porvir, a cada susto que levo quero viver ainda melhor o presente.

Vou abraçar mais minha filha, prestar mais atenção na sua existência, aproveitar melhor os momentos em que posso fazer coisas simples uma vez que almoçar com a minha mãe ou meu marido e ouvir as histórias mirabolantes que só meu pai sabe recontar.

Viver é sempre pra ontem.

PS. Terminei nascente texto antes de saber a opinião de um segundo neurocirurgião, dessa vez com a minha presença. Pela dificuldade para localizar a imagem em que lá estava pequenino e solitário meu descoberto, tive dúvidas de que outro radiologista, com menos tempo ou disposição, também o teria encontrado. Dez anos detrás, ele não seria nem mesmo detectável.

Vou pensar duas vezes antes da próxima investigação. Muitos exames são importantes e a chance de detectar alguma coisa precocemente que altera o curso de uma doença realmente existe com vários deles (o exame ginecológico Papanicolau, por exemplo). Mas há também diversos exames com altíssima incidência de falsos positivos e achados irrelevantes. Vale sempre se orientar muito antes de se sujeitar a eles. E suspeitar da avaliação dos resultados pelo Dr. Google, serviços de lucidez sintético e companhia.


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