A proposta de reforma no setor elétrico feita pelo ministro Alexandre Silveira incorpora algumas mudanças consensuadas desde 2017, quando foi realizada a consulta pública 33. Por isso não é surpresa que a proposta de reequilíbrio setorial tenha sido em universal bem-aceita pelos formadores de opinião.
Há um componente novo: a gratuidade para consumo até 80 kWh, no caso de famílias muito pobres, e isenção de pagamento de parcela da conta de luz correspondente à CDE (fundo provedor de subsídios), no caso de famílias somente pobres.
Desde a minha passagem pela Aneel, 20 anos detrás, tenho defendido medidas desse tipo. Porém seria melhor implementar a novidade estrutura tarifária depois da aprovação do reequilíbrio setorial. Ao se manter no texto tanto a segmento que dá votos —gratuidade para os pobres— quanto a segmento que mobilizará os lobbies contra o término dos subsídios, corre-se o risco de o Congresso subscrever a segmento fácil (gratuidade) e deixar para as calendas a segmento difícil (subsídios). Não muito dissemelhante do que talvez aconteça com a proposta de isentar de pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000, “compensando” com o imposto mínimo de 10% para os ricos.
Há quem tema que a proposta venha a ser desfigurada quando passar pelo Congresso, com a geração de novos desequilíbrios setoriais em vez de enfraquecimento dos existentes, uma vez que tem sido a prática do Congresso nos últimos anos. Infelizmente, trata-se de um risco real.
Há também quem entenda que o descalabro do setor chegou a tal ponto que seria necessária uma ampla reforma, fundada num competente diagnóstico técnico. Seria semelhante ao projeto Re-SEB, realizado nos anos 1990, que resultou em mudanças significativas —privatização de empresas estatais e geração da Aneel (Escritório Pátrio de Pujança Elétrica) e do mercado livre de virilidade.
Uma reforma com essa profundidade certamente teria resultados melhores do que a proposta. Todavia penso que um novo Re-SEB eminentemente técnico seria inexequível, considerando a atual feição política do país.
Um dos temas que ficaram de fora da proposta é a premência de revisitar o alcance do planejamento setorial. À idade em que as empresas eram estatais, o planejamento era determinativo. Um colegiado técnico fazia previsões sobre o prolongamento do consumo e procurava a melhor solução para a sociedade, mantendo baixa a verosimilhança de falta de virilidade e considerando o dispêndio de expansão, tanto da geração quanto da transmissão. Posteriormente, o planejamento estatal passou a ser somente indicativo, embora mais receptivo à competição.
Funcionou muito durante murado de 20 anos, orientando a realização de leilões para a compra de virilidade pelas distribuidoras de eletricidade, em contratos de longo prazo. Porém graves problemas têm surgido com o prolongamento desordenado de geração eólica e solar —centralizada e distribuída—, não devido ao prolongamento da demanda, e sim à transmigração de consumidores do envolvente regulado para ambientes subsidiados. Entre esses graves problemas está o curtailment (golpe de geração) de usinas, inclusive eólicas e solares.
O setor elétrico carece de uma metodologia que faça a síntese das virtudes do planejamento com as da competição. Matéria para um horizonte cláusula.