Você viaja no tempo e não sabe: isso é o que o hipocampo faz, conforme reprisa memórias recentes na forma de sequências de neurônios ativos.
Esses replays são a explicação neurocientífica simples e elegante para o que são os sonhos. E também servem à consolidação de memórias recentes, à nossa memória autobiográfica recente —sobre uma vez que chegamos ao lugar em que estamos— e ao planejamento de rotas futuras para chegar a um lugar desejado.
Mais ainda: a ativação de sequências no hipocampo permite usar experiências passadas para simular futuros possíveis, o que abre um leque de possibilidades para o que será a próxima ação do cérebro e torna o comportamento inteligente, segundo minha definição de lucidez uma vez que flexibilidade.
Neurônios individuais no hipocampo representam lugares diferentes no envolvente em que o bicho se encontra –forma rápida de proferir que cada um desses neurônios fica quieto até o bicho se transmitir para uma determinada posição no envolvente, ocasião sinalizada por um surto súbito de atividade daquele neurônio. Neurônios que fazem isso são chamados “neurônios de lugar”.
Conforme o bicho, humano ou não, se move, diferentes neurônios de lugar se tornam ativos, em uma sequência que representa a sequência de “endereços” que têm mais ou menos o tamanho que o bicho ocupa no espaço. Deu um passo para a direita? Um novo neurônio de lugar está ativo em seu hipocampo.
Dois para a frente, um para a esquerda e chegou à janela? Mais três neurônios de lugar ativados em sequência. Se um neurônio de lugar representa um lugar, uma sequência de neurônios de lugar ativados representa uma trajetória.
Acontece que, em princípio, a trajetória da vez, ativada no hipocampo a cada momento, tanto pode ser um replay inopino de uma vez que o bicho chegou aonde está uma vez que uma projeção de uma vez que chegar ao objetivo manante, voltar detrás para onde ele estava, ou ainda uma simulação de outras trajetórias possíveis. Quando você chega a uma encruzilhada, o que determina a trajetória que seu hipocampo irá considerar primeiro, e assim muito possivelmente para onde você irá?
Um estudo recente feito na Universidade da Califórnia em Berkeley examinou a atividade de centenas de neurônios de lugar ao mesmo tempo em ratos que exploravam uma pista oval fechada, sem grandes alternativas de trajetória, ou uma redondel ensejo, com locais onde os animais podiam parar e tomar chuva gula.
Resultado: em ambas circunstâncias, o hipocampo dos animais em pausa considera quase sempre primeiro a trajetória adiante, seguida imediatamente de reprise da trajetória passada. Porquê quem diz: “estou indo para lá, vim de além, estou cá –confere”.
A pausa na sequência de neurônios de lugar ativados poderia ser exclusivamente uma breve interrupção, enquanto o hipocampo mantém ativa a representação da trajetória atual, mas não é. Nos casos em que um bicho resolvia voltar detrás posteriormente parar para tomar chuva, a primeira trajetória considerada pelo hipocampo era completamente dissemelhante —e não seguida adiante, quando o bicho voltava a caminhar. Por quê?
Simples: os pesquisadores descobriram que cada sequência ativada no hipocampo imediatamente perde precedência para ser reprisada, uma vez que se os neurônios recém-ativos ficassem cansados, recuperando o fôlego. Consequência: o hipocampo está sempre considerando novas possibilidades primeiro, voltar detrás depois, uma vez que uma boa maquininha de gerar flexibilidade –e a primeira trajetória considerada é exclusivamente possibilidade, não sorte.