Quando se pertence a qualquer grupo dos tidos uma vez que diferentes na vida, dos feitos minorizados e amplamente tatuados com desenhos e destinos nem sempre escolhidos por conta própria, é geral que se gerem expectativas de manifestações de características padronizadas e que se siga uma conduta de valores limpinhos e edificantes.
Por eu ser cadeirante, por exemplo, há quem me tenha e me queira uma vez que “serumano” tranquilo, proeminente em fé, em força de viver. O tal exemplo de desamor e persistência. Quando garoto, sobretudo, era geral que me vissem uma vez que “menino bonzinho” e inspirador.
O problema é que vez ou outra posso ser lá meio revoltoso contra o mundo, por fim, minha quesito –e toda labuta da existência— não é bolinho e seria procedente um notório rancor contra tudo e contra todos. Ninguém é nem precisa ser uma coisa só. Os acontecimentos, as trocas entre pessoas e as oportunidades mudam o sabor do caldo.
Tenho, sim, aderência aos diretos humanos, à pluralidade de estar vivo, à resguardo de vulnerabilidades de viventes, mas zero me blinda ou me impede de querer usar outras cores na primavera ou durante todas as estações.
O mesmo vale para negros, feministas, indígenas, favelados, transgêneros e demais “turmas da inconstância”. Cada tipo vai carregar, contradizer e expor o que lhe convém e o que pode entender.
Pegando carona nisso, envolvido em polêmicas no Brasil, o laureado filme “Emília Pérez“, acabou por ter invisibilizada quase totalmente o espaço de discussão em torno das dubiedades e contradições, amplamente justificáveis, da protagonista da trama.
Ora sanguinária ora profundamente humana, ora sensível de ir às lágrimas ora cabra masculino de ser violenta, ora santa ora o demônio, Emília apaixona e gera ódios por ser múltipla.
Mesmo quando a gente escolhe um novo caminho –e não é escolhido por ele–, deixando para trás um planta já percorrido, é absolutamente esperado e legítimo que se revisite paradas antigas, que se traga para a memória ou mesmo para a veras passagens de outros tempos.
Para o terror dos conservadores, há em dias atuais muita força na resguardo de fluidez de várias maneiras, de gênero, de ideias, de comportamentos, de valores, de carreiras… E tudo faz sentido quando a hipocrisia não está na sala.
E isso zero tem a ver com ser volúvel, ser biruta de aeroporto ou ser promíscuo. Tem a ver com ser livre para entender seus processos, suas dores, seus avanços internos, suas ignorâncias, suas predileções e seus medos.
É a dificuldade e a vulnerabilidade de nossas caixolas, seguramente, o que nos distancia e nos calibra para sermos sempre maiores e melhores que o sintético gerado pela tecnologia.
A gente podia ser mais incentivado e bem a explorar as amplitudes e menos tolhido por não seguir sempre uma risca reta e excludente. A gente não precisa ser uma coisa só.