Um espectro ronda os Estados Unidos —o espectro do Poderio Romano. Não há filme, livro ou série de TV que não revisite Roma, sua subida e queda, porquê prelecção de aviso.
Os impérios são mortais, dizem Francis Ford Coppola (em “Megalópolis”) e Ridley Scott (em “Gladiador 2”), para reportar dois exemplos recentes. Se Roma desapareceu, o mesmo direcção espera o poderio americano. E porquê desapareceu Roma?
O historiador Edward Gibbon (1737–1794) legou à posterioridade a versão mais influente —e mais muito escrita.
Internamente, o poderio foi afundando em decadência moral (o cristianismo enfraqueceu as virtudes bélicas e pagãs) e em crise econômica (campos abandonados, luxo excessivo das elites, miséria entre a plebe).
Externamente, os povos bárbaros invadiram e deram a estocada final.
Não admira que, nesses termos apocalíticos, a segunda Presidência de Donald Trump queira fazer o inverso dessas dinâmicas mortais. Fronteiras sólidas. Expulsão de estrangeiros. Autonomia econômica. Isolacionismo internacional. Só assim é provável ser grande outra vez.
Acontece que Gibbon, apesar dos seus méritos literários, estava falso, defendem Peter Heather e John Rapley em experimento que lida com as ansiedades romanas do presente. O título é “Por que os Impérios Caem: Roma, América e o Porvir do Oeste”.
O argumento dos autores parece paradoxal, mas a história de impérios posteriores tende a confirmá-lo: os impérios declinam porque têm sucesso. Ou, melhor dizendo, o meio declina porque as periferias emergem.
Assim foi com Roma. As legiões romanas foram conquistando territórios, negociando com eles, impondo seus códigos e hábitos. Até o momento em que esses territórios enriqueceram, geraram suas elites locais e criaram alianças militares (os “bárbaros” fizeram secção dessas confederações tribais), acabando por desafiar o meio.
Aliás, o poder da península itálica foi negado não somente pelas extremidades emergentes mas por outras potências imperiais. Os persas, nas suas várias encarnações, contribuíram com esse processo.
A subida do poderio americano não foge a esse figurino, que também definiu a subida e queda de portugueses, espanhóis, holandeses ou ingleses nos seus tempos áureos, defendem os autores.
No pós-Segunda Guerra Mundial, com a Europa destroçada e o resto do mundo remetido para as margens, os Estados Unidos se impuseram porquê rabi de cerimônia do Oeste.
Não foi somente a cultura americana que se tornou hegemônica (através do cinema, da música, do estilo de vida, dos padrões de consumo etc.).
O padrão demoliberal, o capitalismo e as instituições criadas para servir a esses valores —o FMI, o Banco Mundial, a Otan etc.— tiveram na segunda metade do século 20 o mesmo papel que Roma desempenhou no seu auge, quando impunha sua lei, sua língua ou sua religião cristã (depois da conversão de Constantino).
A secessão da União Soviética só acelerou esse processo: a “Pax Americana”, tal porquê a “Pax Romana”, cobria agora territórios que tinham estado interditados às influências de Washington.
Uma vez que acontecera com Roma, a globalização enriquecia o meio, ou secção desse meio, mas também beneficiava as periferias, suas elites, suas classes médias, suas economias emergentes. Na Ásia, na África, na América Latina.
Sem falar do ano matricial de 2001. Quando lemos essa data, pensamos nos ataques terroristas do 11 de Setembro e até acreditamos que o mundo mudou naquela manhã.
Por mais importante que seja o facto, o mundo talvez tenha mudado três meses depois. A 11 de dezembro. Quando a China entrou finalmente na Organização Mundial do Transacção (OMC).
O aproximação preferencial do país aos mercados internacionais deslocava o eixo do poder global para fora do Oeste. A Pérsia do século 21 falava mandarim.
A Novidade Roma tremeu —e treme ainda. Por reles da arrogância de Trump há somente pânico mal encapotado. Washington sente que as rédeas do mundo já não estão somente nas suas mãos.
Se a história do Poderio Romano nos séculos 4° e 5° d.C. ensina alguma coisa, escrevem Rapley e Heather, é que não é provável virar o processo que o próprio poderio estimulou. Não é provável ser grande outra vez, se entendermos por “grande” a posição única e inconteste que os Estados Unidos tiveram nos últimos 80 anos.
Quando muito, é recomendável concordar a perda de poder relativo e tentar entendimentos mais abrangentes e mais justos: com os aliados, sim, mas também com os novos poderes emergentes que partilhem um núcleo de valores comuns.
No fundo, é o contrário da atitude sobranceira e hostil atualmente em cena que, ironicamente, só enfraquece ainda mais o velho poderio assustado.