Pesquisa da Universidade Federalista de Minas Gerais revelou que o Brasil vem registrando indicadores alarmantes de violência praticada contra crianças.
Em 2022, foram notificados quase 39 milénio casos: 21.462 entre as meninas e 17.437 entre os meninos. A maioria das vítimas foram crianças de 2 a 5 anos (39,4%). A residência foi o sítio de ocorrência mais frequente (88,3%). Os principais agressores foram a mãe (51,7%), o pai (40%), o padrasto (6,2%) e qualquer publicado (8,5%). O tipo de violência mais frequente foi a negligência (50,7%), a violência física (23%) e psicológica (14,5%). Os meios de agressão foram espancamento (21,1%), prenúncio (7,7%), objeto quente (3,4%), objeto contundente (2,5%) e perfurante (1,65%).
Em um momento em que tantos pais e mães estão impactados com a série “Juventude”, penso nas crianças que sofrem, porquê eu sofri, a violência física, verbal e psicológica dentro das próprias casas e famílias.
“Você é uma bosta. Não serve para zero. Nunca vai ser ninguém na vida”, foram os gritos que mais escutei na puerícia.
Aos 16 anos, saí de Santos para morar sozinha em São Paulo, comecei a grafar meus diários e li, pela primeira vez, “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir.
Sem ter consciência da minha própria lei, força e coragem, dei os primeiros passos para me libertar de um inferno violento e miserável afetivamente.
Muitas décadas depois, no dia 8 de março de 2024, Dia da Mulher, ganhei o mais belo presente que uma menininha apelidada de Olívia Palito poderia receber em toda a vida. A Turma da Mônica, do Mauricio de Sousa, me escolheu porquê a primeira representante da Mônica 60+.
Por que eu, uma menininha magrinha e invisível, fui escolhida para simbolizar a moçoila potente e corajosa que enfrentava todos os meninos da rua com seu coelhinho Sansão?
Foi portanto que tive uma pequena epifania: desde muito cedo, eu também enfrentei todas as adversidades, obstáculos e desafios que surgiram na minha vida. Mas, em vez de um coelhinho de pelúcia, sempre tive meus cadernos e canetas para me tutelar dos monstros assustadores que sentiam um prazer sádico em me torturar.
Quando descobri que não sou exclusivamente a menininha triste, mas também a Mônica 60+, comecei a me transformar na mulher corajosa que sempre desejei ser, apesar de ainda ouvir meu pai gritando: “Você é uma bosta. Nunca vai ser ninguém”.
Meu pai morreu há mais de 30 anos, mas seus gritos, ameaças, espancamentos e xingamentos continuam morando dentro de mim.
Poucos dias antes de morrer, com lágrimas nos olhos, meu pai me disse: “Filha, olha para mim, eu estou morrendo. Agora, você é o varão da família. Eu fiquei publicado em Santos, mas você ficou conhecida no Brasil inteiro. Você me superou. Você é gigante”.
Meu pai, meu pior carrasco, acabou se tornando, no termo da sua vida, meu melhor colega. Finalmente, ele reconheceu que nunca fui uma bosta. Mas, até hoje, não consigo me sentir porquê o gigante que ele enxergou em mim. Será que, qualquer dia, vou conseguir tirar os óculos dos meus traumas emocionais e enxergar minha vida com os óculos da coragem?
Porquê escreveu Simone de Beauvoir, “toda dor dilacera; mas o que a torna intolerável é que quem a sente tem a sentimento de estar separado do resto do mundo; partilhada, ela ao menos deixa de ser um exílio”.
Grafar sempre foi, e continua sendo, a minha salvação.