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Pequena selecta de contos carnavalescos – 26/02/2025 – Sérgio Rodrigues

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No Carnaval, adquiri o hábito de trocar o corpo a corpo suado das ruas por uns dias de tranquilidade e sota, quase sempre na companhia de livros e filmes. Não estou sozinho.

Às vezes, revisitando histórias, penso no muito que a nossa literatura já fez dessa sarau tão brasileira. Se pouco se fala disso, acredito, é porque faltam os vistosos grandes romances de Carnaval.

Pois é: loucura efêmera, descontínua, os ritmos febris e o tempo fora do tempo dessa sarau popular são mais muito captados pelo história. Que, uma vez que se sabe, carrega a injusta sina de ser menos visível.

Só isso explica que “O Bebê de Tarlatana Rosa”, obra-prima de terror de João do Rio, não seja exaltado por influencers uma vez que um monumento literário:

“Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Zero de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, zero do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, findar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no Carnaval”.

Se houvesse justiça no mundo, a crônica-reportagem “Guerra no Largo do Machado”, de Rubem Braga, seria estudada em cursos de pós-graduação uma vez que exemplo de prosa-batucada:

“A cuíca ronca, ronca, estomacal, horroroso, é um ronco que é um soluço, e eu também soluço e quina, e vós também fortemente cantais muito desentoados com levante mundo. A cuíca ronca no fundo da volume escura, dos agarramentos suados, do batuque pesadão, do bodum”.

Cá e ali nossos clássicos dão sinais de envelhecimento —rugas sob a máscara, mofo no confete. Certas palavras de Braga, uma vez que também de Aníbal Machado em “A Morte da Porta-estandarte”, já não se usariam hoje.

O racismo brasiliano era mais difuso e inconsciente no século pretérito. Machismo e misoginia também. Metade dos contos carnavalescos é protagonizada por homens a quem o delírio coletivo interessa na medida em que facilita a tarefa de fazer sexo com mulheres normalmente interditadas.

“Era o último dia de carnaval e todo carnaval eu sempre fora com uma mulher dissemelhante para a leito. Já na terça-feira, mais um pouco o carnaval acabava e eu não teria mantido a tradição”, diz o narrador de “Teoria do Consumo Conspícuo”, de Rubem Fonseca.

Spoiler: não dá visível dessa vez. Em ressarcimento, o Adamastor de “O Varão-mulher”, de Sérgio Sant’Anna, vive momentos de grande felicidade no cemitério, depois de se desgarrar do conjunto com Dalva –que, virgem até logo, tem só 16 anos, nove a menos que ele.

Acontece —em dias uma vez que os que vêm por aí, acontece demais. Uma vez que acontece também o imenso zero a zero existencial, quase metafísico, de “Bandeira Branca”, de Luis Fernando Verissimo.

Ainda muito que mulheres também escrevem sobre Carnaval e cada vez mais o farão, diversificando a cozinha rítmica da sarau.

“Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, folia e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos de confete”, conta Clarice Lispector em “Sobras do Carnaval”.

O libido está sempre lá, é simples. Mas as máscaras são infinitas.


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