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Pedi para IA ortografar esta poste – 06/04/2025 – Giovana Madalosso

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Pedi para um bot de IA ortografar uma crônica no estilo Giovana Madalosso. Ainda muito que não publiquei: a estas horas já teria sido demitida deste jornal. “As horas se misturavam entre o odor do pão quente de panificação e o esquina dos pássaros”. Diga leitor: sou tão brega assim?

Prefiro pensar que o bot era incompetente. E era mesmo. Tentei outro app de IA. Já deu para ver que esse era mais inteligente porque foi logo massageando meu ego: “cá vai uma crônica inspirada no estilo da Giovana Madalosso —afiada, com um tom que mistura sarcasmo, fragilidade e sátira social.”

Em seguida, lançou um texto bem razoável e uma caracterização de personagem que, se viesse de qualquer aluno das minhas oficinas literárias, eu elogiaria: “ele era o tipo de face que lê um livro por ano e faz disso um evento.”

Mas o mais impressionante foi quando eu pedi que escrevesse um conto com o meu estilo. A IA pegou a garçonete do meu primeiro romance, a mãe do segundo e botou tudo em um personagem só. Observando uma cliente do restaurante, ela comenta: “carregava a bolsa no ombro porquê um tumor.”

Isso me deu um horripilação. Não só pelo humor preto, de palato meio duvidoso, mas pela proximidade universal com o meu estilo. Tenho um vício que pensei que só eu e meu editor percebemos: uso muito a vocábulo “talvez”, que às vezes precisa ser cortada do meu texto feito relva daninha. E lá estava a IA, usando esse vocábulo na frase anterior e na seguinte.

Pensei que, nos sábados em que consonância de ressaca e sem inspiração para ortografar, já tenho quem me ajude. “Bom dia, Bot, me vê uma aspirina e uma poste de 3.200 caracteres sem a vocábulo talvez.”

Eu não deveria estar fazendo perdão. Há coisas que essa crescente inteligência (ainda) não é capaz de fazer, porquê enredos bons e mais complexos. A IA peca pela previsibilidade. Se o pedido é crônica, apela para xícara de moca e pássaros cantando de manhã, com um desfecho óbvio e epifânico, em tom de autoajuda.

Mas é só uma questão de tempo para que isso seja resolvido, à medida que a IA vai sendo alimentada com mais e mais crônicas, com mais e mais contos e romances, que já vêm sendo vendidos por alguns autores para o treinamento dessa instrumento.

Ou usados sem autorização e pagamento, porquê alguns escritores acusam a Meta de ter feito com suas obras. Porquê vamos proteger nossos direitos autorais? Essa é uma história para outra poste.

Por enquanto, nós, autores, nos equilibramos sobre a lâmina do potencial humano, empunhando nossos pequenos grandes trunfos. Um deles é não pensar de forma tão linear quanto a IA. Nós misturamos referências aleatórias. Seguimos a percepção. Temos lampejos. Voltamos detrás. Falhamos. E porque falhamos, chegamos em soluções inesperadas —quantas boas ideias não nasceram de acidentes de trajectória?

Ou por outra, nós sentimos. E, porque sentimos, sabemos provocar sentimentos no outro. Perceba o que te faz gostar de um poema ou de uma música: as emoções despertadas. E parece que a IA ainda é um pouco gélida nesse sentido.

Por isso, por enquanto, e talvez só por enquanto, ela siga sendo a minha esporádica assistente. No dia em que ela editar esse “talvez” da risca supra e arrancar do leitor uma lágrima, deixarei minha escrivaninha e chorarei também.


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