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Para produzir teor é preciso ter qualquer? – 09/04/2025 – Sérgio Rodrigues

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A vocábulo “teor” ganhou teor à beça desde que nasceu, do latim vulgar “contenutus”, lá na puerícia do português. A princípio queria expressar só o que estava contido num continente, porquê o líquido numa garrafa.

Não deve ter demorado muito —as metáforas nunca demoram— a lucrar o sentido metafórico de matéria, tema, conjunto de dados.

Teor ainda era o que está contido em alguma coisa, mas agora carregava também um sentido mais ideal do que físico: era saber. Passamos a falar do teor de livros, cursos —e, por metonímia, de pessoas.

Sinônimo de substância, informação tratada com seriedade, logo a vocábulo se apresentou na sentença “ter teor”, que fez bastante sucesso no século pretérito. Elogiosa, significava ter alguma coisa a expressar.

“O livro (ou filme etc.) diverte, mas não tem teor”, repetia-se muito esse clichê crítico. Ou seja, o resultado em questão era bonitinho mas ordinário. Faltava-lhe certa sisudez, “gravitas”. O teor tinha peso.

Ainda tem, evidente, em certas acepções. Os sentidos históricos das palavras quase nunca somem, ficam vagando por aí e se acumulam em camadas geológicas na língua.

Seja porquê for, em fins do século 20 o teor começou a mudar outra vez. Surgiu no mercado de informação o “profissional de teor” —sentença sem nenhuma conotação elogiosa, exclusivamente descritiva.

Era porquê se chamava a pessoa encarregada da geração de uma mensagem capaz de ser veiculada, com o mínimo de adaptações, em qualquer meio —da internet à TV, passando por jornais, revistas, mensagens de celular, sinais de fumaça.

Saía mais barato para quem pagava o salário do tal escrivão —que assim, e sem lucrar aumento, via seu trabalho se espalhar pelas tantas possibilidades midiáticas abertas naquele início de revolução do dedo.

Ou pelo menos era o que rezava o evangelho da quadra. Nunca se escreveu tanto lixo em nome de uma ensinamento. Chegou um momento curioso: se a pessoa falava muito em teor, você ia ver e era batata —não tinha teor nenhum.

A revolução do dedo precisou dar mais voltas no parafuso para que o teor atingisse um novo patamar em sua trajetória de palavra-fetiche.

Saiu o “profissional” —vocábulo associada a um mundo tão velho quanto o de “Mad Men”, com suas carteiras de trabalho e suas grandes empresas de informação— e entrou o “produtor de teor”, que pode trabalhar no seu quarto.

E que teor produz o produtor de teor? Qualquer um que tenha saída na incomensurável feira do dedo em que vagamos todos, comprando e vendendo.

Os artefatos simbólicos que cabem na definição têm linguagens variadas, com predominância de vídeo. Em geral, o indumentária de nos entreterem por alguns minutos ou segundos antes do próximo shot.

Entretenimento, informação, pregão de venda, educação, propaganda, fake news —todos os gêneros se misturam, as fronteiras vão ficando borradas.

Em sua versão do dedo de hoje, o velho particípio do verbo sustar tende à pasta. Quando o continente tem as dimensões do nosso vício mórbido em distração, o teor pode se dar ao luxo de dispensar o menor traço de teor.


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