Posteriormente mais de uma dezena de escavações no bairro montevideano de Capurro, uma zona historicamente conhecida pelo desembarque de populações africanas durante a quadra colonial, o Uruguai descobre os primeiros sobras mortais de uma pessoa escravizada em cativeiro.
Iniciado em 2008, o projeto de investigação arqueológica tinha por objetivo médio restaurar os limites físicos do “Casario dos Negros“, oficialmente chamado Casario da Real Companhia de Filipinas.
Foi o principal estabelecimento escravista da Montevidéu colonial, que tinha porquê financiadora médio a Diadema espanhola e funcionou entre 1788 e 1812. Naquele período, a capital uruguaia se transformou no porto único para ingresso de pessoas escravizadas com sorte à América espanhola meridional. Ou seja, triangulava o negócio escravista entre África, Brasil e cidades do Vice-Reinado do Rio da Prata e do Peru, porquê Buenos Aires, Santiago ou Lima.
Para além da identificação das estruturas originais dessa construção, a equipe de antropólogos encontrou sobras mortais do que se revelaria ser um jovem africano enterrado em uma fossa de pequenas dimensões.
O esqueleto foi revelado a pouco mais de um metro de profundidade, sob o piso de uma residência pessoal de uma moradora que aceitou colaborar com os pesquisadores.
Alterações dentárias características de rituais em algumas regiões africanas e análises biológicas, finalizadas em março, permitiram a identificação dos sobras mortais encontrados: um varão “entre 16 e 18 anos”, oriundo da região onde hoje se encontram “Angola, Namíbia e Zâmbia”, e que “padecia de tuberculose” no momento de sua morte.
‘Transpor da fantasia’
Enterrado há mais de dois séculos, esse esqueleto também descortina agora, a partir da sua materialidade, um vista ainda opacado na sociedade uruguaia: sua raiz escravista.
“Para a comunidade afro-uruguaia, isso significa a oportunidade de dar um pontapé inicial para que muita história seja desenterrada, e não só fisicamente. Saber de onde vinham essas pessoas, quais eram seus costumes e rituais nos locais de promanação, para assim poder racontar nossas próprias histórias”, afirma à Folha Mónica dos Santos, integrante da Percentagem de Lugar de Memória Casario dos Negros e que atua no bairro Capurro em atividades culturais e sociais há mais de uma dezena com o coletivo Nzinga.
“Para a sociedade uruguaia em universal, é uma forma de transpor dessa fantasia, dessa invisibilização de manifestar que no Uruguai não há racismo e não houve escravidão. É a prova de que essas foram práticas que existiram. Se houve escravização, houve escravistas”, observa.
O encontro com um pretérito negligenciado também é uma oportunidade de ampliar horizontes na ateneu, pontua o antropólogo Camilo Collazo, coordenador da investigação.
“Esses sobras permitem saber vida e morte da pessoa encontrada, além de enunciar generalizações sobre a vida dos escravizados no contexto do Casario a partir da perspectiva dos escravizados”, afirma. “Pode ser um incentivo para a investigação do regime escravista a partir da perspectiva da arqueologia da escravidão, um enfoque teórico-metodológico incipiente no Uruguai”, assinala Collazo, que classifica a invenção porquê “a mais importante” em seus dez anos de curso.
Estimativas históricas sinalizam que entre 1777 e 1812, período que inclui o funcionamento do Casario, tapume de 70 milénio pessoas escravizadas chegaram aos portos do rio da Prata, em 550 navios. A veras dessa população, no entanto, é um ponto cego no imaginário dos rio-platenses.
“Essa invenção é um antes e um depois, inclusive nas nossas vidas pessoais. Espero que isso traga mudanças sobre porquê contamos a história”, diz Mónica dos Santos.
Memorial
Atualmente, a Prefeitura de Montevidéu conversa com organizações sociais envolvidas em movimentos afro sobre a construção de um “memorial de grande envergadura” no sítio onde foram encontrados os sobras mortais, conta Leticia Rodríguez, diretora municipal da Secretaria de Justiça Étnico-Racial e Populações Migrantes. “Com essa história única, configuramos também as circunstâncias que envolveram o tráfico de 70 milénio pessoas e que formam segmento do promanação do Uruguai”, pondera.
Mulheres afro, porquê Rodríguez e Santos, afirmam desejar que essa instância amplie a discussão e gere novos interesses e iniciativas concretas. “Esse é um marco para a memória coletiva e para a construção do relato e de justiça social”, analisa Rodríguez. “Apesar de o Uruguai vir trabalhando nesse sentido, ainda não conhece e não quer saber —porque assim mostram os modelos educativos— a história das pessoas afro, escravizadas e libertas”, diz. “Por exemplo, dos soldados, construtores de ruas, dos trabalhadores de charquearias, saneamento, cemitérios, das lavadeiras, tarefas que sempre foram feitas pela população afro em grande medida.”
A comunidade afro-uruguaia também discute opções cerimoniais vinculadas à religiosidade africana para restituir esse ascendente ao lugar em que foi encontrado. “Que o Parque Capurro se converta em nosso lugar de memória. Podemos manifestar que nesse lugar certamente começou nossa forma de ver a história neste continente. Que passe a ser simbolicamente nossa referência”, comenta Santos.
“Deve-se seguir sempre em diálogo a construção comunitária de um projecto para essa região. A Instituição Vernáculo de Direitos Humanos foi fundamental para que houvesse segmento dessas escavações, e sem um movimento social ativo isso não teria ocorrido”, afirma Rodríguez.
Trabalhos paralisados
Os trabalhos de investigação em Capurro agora estão paralisados, sem perspectiva de perpetuidade e à espera de novas linhas de ação que possibilitem ser retomados sem depender exclusivamente de esforços da sociedade social e dos pesquisadores, assinala Collazo.
“Faltaria saber a existência ou não de uma extensão de enterro para os escravizados mortos, ou se houve enterros isolados, porquê o encontrado. Também devem ser localizados vestígios de edificações historicamente descritas – em 2024 pudemos encontrar um piso de tijolos que poderia corresponder a um dos barracões onde as pessoas escravizadas ficavam trancadas”, exemplifica.
Em seu relatório final, os pesquisadores escrevem que “a magnitude da invenção, assim porquê seu significado, faz com que seja útil dar perpetuidade aos trabalhos, porque a zona de interesse supera a extensão explorada pelas investigações”.