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observações a partir do clássico de Rilke

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Rilke vai afirmando de forma categórica uma série de noções precisas que vêm de seu domínio integral do ofício, o domínio de um grande responsável. Mas suas afirmações vão ganhando os contornos de interrogações provocativas, indagações incômodas a quem ainda não se conhece tão muito. Isso é a literatura, ele parece manifestar, isso é o que a literatura deve ser, você será capaz de perceber alguma coisa assim? Está disposto a estabelecer consigo tal compromisso? Vai permitir de si tamanha entrega, tanto esforço em nome da escrita? Tudo isso a jovem escritora que me procurou deveria ouvir e ponderar, se interrogando seriamente.

Deveria, no entanto, agora digo eu, saber que as respostas não estão dadas neste momento, não são acessíveis no ponto de partida. Que não podemos saber no início o que a literatura se tornará em nós qualquer dia, que prazer e que terror nos farão companhia quando a escrita se tornar um hábito. Não somos capazes de antever, hoje, o livro nunca escrito por ninguém que nos tomará a imaginação numa tarde vindoura de repouso. Nem conseguimos enxergar os rostos dos leitores que alguma vez se debruçarão sobre as nossas páginas, quem sabe, seus olhos que nos tornarão por término autores. Quando se trata de literatura, em suma, zero é mais claro que a incerteza, zero é mais previsível que a imprevisibilidade, entre tantos outros paradoxos já muito conhecidos.

Não sabemos o que será do porvir de uma escrita privado, tal uma vez que não sabemos do porvir de toda escrita. Vamos aprendendo a grafar o livro no momento em que o escrevemos, poucas coisas são tão perceptíveis nesse ofício. Por mais capacidade de abstração que alguém tenha, por mais habilidade para conceber um projeto e executá-lo fielmente, é inevitável que ele vá ganhando feições inesperadas, que surpreenda seu pai e se torne outro, e o torne outro também, fazendo-se responsável de seu responsável. O livro terminado dirá alguma coisa que nunca soubemos que diria, por isso é impossível calcular a priori se ele merece ou não subsistir, se ele vale o esforço da escrita. É provável que sim, é provável que não; a literatura exige logo alguma coisa que escapa à sua ideologia, ou ao menos à minha: trata-se de um ato de fé, a entrega da vocábulo ao inaudito.

Da mesma maneira, o caso é que vamos aprendendo a ser o responsável que um dia seremos. Não se conhece com antecipação esse rumo: ninguém pode vislumbrar desde a juventude todos os livros que redigirá quando alguma maturidade insultar as suas costas, os seus dedos, a sua mente. Até porque esse corpo que somos e seremos não existe em tempos estáveis, o mundo se transforma a cada momento e pede livros novos, diferentes, desconhecidos. Porquê um responsável responde à sua estação, a cada estação sucessiva, é o que compõe o seu porvir, a sua curso, é o que o aproxima de seus leitores, fundamentalmente. Não é uma aposta das mais certeiras, a literatura. Mas às vezes me convenço, na hora mais silenciosa da madrugada, sozinho, sem precisar convencer a mais ninguém, que pelo menos é uma das mais bonitas.

Recomendo que você escreva, jovem, que vá ao encontro dessa insensata formosura.



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