“Outraged” (indignados), de Kurt Gray, é um livro adequado a nossos tempos. O responsável se propõe a investigar as razões que nos levam a dividir-nos em relação a questões morais e políticas. Basicamente, ele estuda a polarização.
A tese mediano de Gray é que o varão foi, ao longo de sua história evolutiva, muito mais presa do que predador. Isso deixou marcas em nosso psiquismo. A mais notável delas seria um instinto moral fundamentado na teoria de proteção. Todos os nossos juízos morais seriam uma tentativa de proteger a nós mesmos, nossa família, terceiros ou até valores que visam a manter a coesão social.
O que separa defensores e opositores do monstro não seria uma paleta moral totalmente diversa, mas uma diferença sobre quem é a vítima real da loteria cósmica, a mulher ou o feto.
O intuito principal de Gray é o psicólogo Jonathan Haidt, proponente da teoria dos fundamentos morais. Segundo Haidt, nosso instinto moral é constituído por cinco ingredientes. A teoria de proteção é só um deles.
O livro me trouxe um insight valioso. Gray é enfático ao declarar que, dada nossa história evolutiva, estamos condenados a sempre procurar sinais de risco. Essa tendência, quando opera num mundo cada vez mais seguro e menos intolerante, faz com que nos preocupemos (e nos dividamos) por questões cada vez menos relevantes.
Isso vale tanto para o mundo físico uma vez que para o moral. Crianças da minha geração viajavam no chiqueirinho das Variants e não cogitariam de usar penacho para andejar de skate ou de bicicleta. Um pai que permitir isso hoje pode ser recluso.
De modo análogo, enfrentar o racismo algumas décadas detrás era opor-se a leis que negavam paridade jurídica a todos os cidadãos; hoje discutimos quais palavras causam desconforto psíquico a quais grupos.
O terrificante é pensar que, quanto mais avançarmos, mais obcecados por minudências nos tornaremos. Essa, todavia, é a minha visão. Gray é otimista. Ele acha que há formas de superar os piores aspectos de nossas divisões morais.
