Quantos grãos de areia cabem no Universo inteiro? Quem pergunta é o matemático heleno Arquimedes (287-212 a.C.), em missiva que escreve a seu rei por volta de 240 a.C. e que chegou aos nossos dias sob o título “O contador de areia”. Para responder, ele precisa ser capaz de calcular o tamanho do Universo…
Arquimedes toma porquê base o protótipo heliocêntrico de seu compatriota e contemporâneo Aristarco de Samos (310-230 a.C.): “Suas hipóteses são que as estrelas e o Sol estão imóveis, que a Terreno gira em torno do Sol ao longo de uma periferia com o Sol no núcleo, e que as estrelas estão localizadas numa esfera que também está centrada no Sol”.
Está longe de ser consenso: os críticos apontam que se a Terreno se movesse em torno do núcleo logo a posição das estrelas no firmamento teria de variar com o deslocamento do planeta ao longo da sua trajectória, pelo efeito que os astrônomos chamam de paralaxe. A resposta de Aristarco, explica Arquimedes, é postular que as estrelas estão muito longe, a uma intervalo muito maior do que o diâmetro da trajectória da Terreno, de tal modo que a paralaxe causada pelo nosso movimento em torno do Sol é imperceptível.
Infelizmente, Aristarco não diz quão longe estão as estrelas, pelo que Arquimedes faz mais uma suposição: o diâmetro da esfera das estrelas está para o diâmetro da trajectória da Terreno em torno do Sol assim porquê o diâmetro dessa trajectória está para o diâmetro do próprio planeta. Ele não justifica essa regra, mas suspeito que a adotou por ser elegante, além de útil: praticamente todos os cientistas acreditam que as leis da natureza precisam ser matematicamente belas (embora a venustidade por si só não garanta a verdade).
Seja porquê for, feita essa suposição, para calcular o tamanho do Universo Arquimedes só precisa saber os diâmetros do planeta Terreno e da sua trajectória em torno do Sol que, em tese, são dados mais acessíveis.
Mais ou menos ao mesmo tempo, no Egito, Erastóstenes (276-194 a.C.) está fazendo o seu famoso experimento para medir a periferia do meridiano terrestre, chegando ao valor de 39.700 km, muito perto do valor aceito atualmente (40.008 km). Arquimedes é menos preciso, dizendo somente que a periferia da Terreno não passa de 55.000 km. Dividindo esse valor por π (pi), ele obtém uma estimativa um pouco exagerada do diâmetro do planeta.
Para prezar o diâmetro da trajectória da Terreno, Arquimedes usa observações astronômicas do Sol e da Lua e a asseveração de Aristarco de que a intervalo da Terreno ao Sol seria 20 vezes maior do que a intervalo da Terreno à Lua (o fator correto é muito maior: 389). Dessa forma, ele conclui que o diâmetro da esfera das estrelas não chega a 2 anos-luz, murado de 18,5 trilhões de quilômetros.
Resta instituir quanta areia é provável colocar numa esfera com esse diâmetro. Fazendo cálculos curiosamente rebuscados (envolvendo até sementes de papoula!), Arquimedes chega enfim à resposta desejada: no Universo cabem menos do que 1063 grãos de areia. Vestuário risonho: ele considera areia fina, com grãos três vezes menores que o normal.
Pense muito, querida leitora, custoso leitor: todos esses raciocínios foram desenvolvidos por um ser humano (notável!) 23 séculos detrás. Pelo simples fascínio de ir mais além. Nossas crianças nascem com esse fascínio. Preservá-lo é preciso.