Eu e a escritora Fabrina Martinez nos lemos ao mesmo tempo, em um encontro pelas palavras promovido por Michelle Henriques, do projeto Leia Mulheres. Enquanto Fabrina lia a história da minha mãe, que adoeceu e viveu, eu lia a história da mãe dela, que adoeceu e morreu.
“Sabendo que és minha” (ed. Jandaíra) é rememorável. Percebi porquê uma dissecação do luto que, embora se dê em primeira pessoa, faz sentir alguma coisa de universal. A forma porquê Fabrina escancara a dor de continuar viva depois que a mãe morre faz todo o resto se silenciar.
No vínculo com sua mãe não identifico quase zero do que construí com a minha. Mas as palavras que deram nome ao primeiro desespero que me arrebatou quando minha mãe foi internada numa UTI também saltaram sobre mim do livro de Fabrina: “nunca mais seria alimentada por Minha Mãe”.
Morte sem Tabu: Em uma edição do Sempre um Papo com o Valter Hugo Mãe, o noticiarista contou que o “Mãe” incluído em seu nome deve-se ao trajo de ser a termo mais poderoso que existe. Para ele, mães narcisistas ou com outras características que levam à ruptura com os filhos são anomalias. Ao ler seu livro, eu me perguntava sobre quanto do luto vem da qualidade da relação. O luto é moldado pelas anomalias?
Fabrina Martinez: Já ouvi essa fala do Valter Hugo Mãe e acho que, quando ele fala das anomalias, está se referindo à mãe quase porquê uma entidade, uma “mãe” muito próxima de Deus. Quando fala da sua própria mãe, de forma muito carinhosa, ele coloca luz sobre as anomalias. Não sei expor se o luto é moldado por elas, o luto é moldado por muitas coisas. Pelas presenças, ausências, geografias externas e do corpo e, é simples, questões de gênero, sexualidade, classe, raça e etnia.
O meu luto foi (e segue sendo) marcado pela premência de conversar comigo, essa filha que havia perdido a mãe. As relações entre mães e filhas costumam ser diferentes e foi isso que me levou a ortografar o ‘Sabendo que és minha’, o livro que eu queria ter lido, e não escrito. Escrevê-lo foi muito importante, sua existência se baseia na frase “minha mãe morreu”, alguma coisa muito dolorido de saber, sentir e não expor. Grafar sobre a morte é ortografar sobre a vida.
Morte sem Tabu: O seu livro mostra que a repudiação do corpo gordo é um elemento mediano nas relações e tem um impacto grande no luto. Isso te faz imaginar que poderia ter sido dissemelhante?
Fabrina Martinez: Tento não fazer isso comigo. Uma pessoa magra não precisa imaginar se sua vida – ou morte – seria dissemelhante porque essa é uma sociedade focada em corpos magros. Não é necessário muito esforço para perceber quais são os corpos desejáveis e desejados, finalmente. Trata-se de uma informação presente nos meios de informação, nas redes sociais, nas conversas entre as pessoas, nas relações amorosas e na forma porquê as mães educam suas filhas, assim porquê o gênero, sexualidade, raça ou etnia. Quando trago esse oferecido da minha verdade para o ‘Sabendo que és minha’, faço para substanciar que qualquer forma de exclusão impacta no luto porque impacta na vida.
Morte sem Tabu: Qual foi o seu limite de exposição das outras pessoas, principalmente da sua filha, de quem você fala bastante no livro?
Fabrina Martinez: ‘Sabendo que és minha’ é uma autoficção sobre minha relação com minha mãe e escrita a partir da morte dela, portanto, há muitos filtros e camadas ali. Uma coisa concreta, por exemplo, é que tenho mais irmãos do que falo no livro e os que escrevi são constituídos por muitos detalhes de todos, reais ou imaginados. Feita essa justificativa, foram poucas as pessoas da minha família que leram o livro ou me falaram.
Um dos meus irmãos com certeza leu, outro disse que não lerá, porque o que está ali é o meu luto e não o dele. Cada um, da sua maneira, me deu a resposta que eu precisava dos meus sobre aquilo que escrevi: a Minha Mãe. Ela foi dissemelhante para cada um de nós e eu não posso falar sobre a pessoa que ela foi para eles, na mesma medida em que não posso falar sobre a avó que ela foi. Alguma coisa sobre o ‘Sabendo que és minha’ é que ele foi escrito, lido e revisado no divã com Minha Comentador. Eu não conseguia revisar em mansão, portanto levava para as sessões de terapia e lia com ela, fazendo as revisões em voz subida. Esse foi um processo fundamental para entender que a morte da Minha Mãe cristalizou o luto em mim. Ele está cá enquanto escrevo e na forma porquê vejo, percebo e sinto o mundo. A estudo me deu a possibilidade de coexistir com ele de um jeito que paladar e acho muito bonito.
O que posso te expor com certeza é que quando minha filha e eu falamos de morte e luto, falamos com leveza, reverência e sem tabus. Minha Mãe era protetora de animais e, quando ela morreu, adotei sua cadela mais velha, que, na idade, já era uma senhora idosa e sistemática. Há algumas semanas, essa cadela morreu e foi porquê reviver a morte da minha mãe. Houve lágrimas, mas também houve risos ao lembrarmos das duas caminhando pelo bairro, vendo televisão ou fazendo outras coisas juntas. Talvez seja esse o melhor exemplo que dei à minha filha: enxergar a formosura e o poder da morte e do luto. Sobre ela ter lido o livro, não leu antes e não leu ainda. É alguma coisa que conversamos muito, que ela deve fazer se e quando quiser, quando sentir que está pronta. O livro é sobre minha relação com minha mãe e porquê essa relação me moldou para ser, entre tantas coisas, também uma mãe.
Morte sem Tabu: Tenho certeza de que seu livro gera muitas mensagens diferentes para pessoas diferentes que, embora com lutos próprios, encontrarão identificação nele. O mais poderoso para mim foi não encontrar qualquer resgate e ainda assim enxergar sobrevivência. Uma vez que ortografar te ajudou a sobreviver?
Fabrina Martinez: Tem alguma coisa muito peculiar sobre o ‘Sabendo que és minha’ que é minha que é o caminho que ele está fazendo por si mesmo e as pessoas que ele tem encontrado. Quando Minha Mãe morreu procurei por escritoras que tinham perdido a mãe e escreveram sobre. Na idade (2018), encontrei exclusivamente um livro da Simone de Beauvoir e hoje sei que somos muitas. Mas quando você me pergunta isso, eu me vejo aos cinco anos, sentada na lajedo de mansão e brincando com papéis picados e lápis de cor e sonhando com uma mesa enxurro de papéis e canetas quando crescesse. Eu sempre escrevi. Atualmente, faço doutorado em Estudos Feministas na Universidade de Coimbra e pesquiso porquê as questões de gênero e sexualidade afetam o parentesco entre vida e morte, portanto, novamente, ler e ortografar tem permitido sobreviver e deslindar novas formas de vida. Mas, voltando a 2018, quando escrevi as primeiras linhas do livro, eu só sabia que precisava disso. O que veio depois, a matrícula e premiação do livro pelo Proac em 2019 e a publicação pela Jandaíra em 2020, é resultado de um diálogo interno que sempre traço comigo, por escrito. Meu linguagem é a termo escrita.
Uma coisa importante sobre o ‘Sabendo que és minha’ é que ele foi escrito de uma forma interesseiro ou, porquê você mesma disse, quase irresponsável. O que nunca quis e ainda não quero é que fosse sintético, no sentido de poupar quem lê dos dados de verdade que são tão duros e de que só a termo escrita dá conta. Encontrar resgate ou justiça é um privilégio. Quando olho para minha história com a Minha Mãe e todos os assuntos inacabados, as conversas nunca começadas ou as coisas mal-ditas, penso que somente a literatura daria conta dessas fraturas e dos “e se?” que nos rondam.
Mas tento não fazer certas coisas comigo. A Minha Mãe não vai ler meu livro. Logo ela, a pessoa que me ensinou a ortografar; que me mostrou que quando a gente vira a letra F de um evidente jeito, ela parece um forte; não verá meu nome na capote de um livro que só foi escrito porque ela existiu. Eu não sou capaz de ignorar o trajo de que qualquer pessoa pode ler o ‘Sabendo que és minha’, menos a pessoa que me ensinou a ortografar. Que resgate ou justiça há nisso? Nem mesmo a literatura me ajuda a olvidar esse oferecido de verdade.
Morte sem Tabu: O que é que a gente perde quando perde a mãe?
Fabrina Martinez: A mansão.