A recente disparada nos juros dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) tem sido atribuída por muitos à liquidação de posições alavancadas baseadas nesses ativos. Embora esse fator técnico tenha contribuído, a raiz do movimento parece ser muito mais profunda: a erosão do privilégio exorbitante dos Estados Unidos no sistema financeiro internacional.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA desfrutam do status de principal fornecedor global de ativos seguros. Essa posição lhes permite financiar déficits fiscais recorrentes, com o base de investidores estrangeiros dispostos a concordar rendimentos menores em troca da segurança e liquidez dos Treasuries.
Historicamente, em momentos de crise —porquê na crise financeira global de 2008— esses investidores atuaram porquê estabilizadores. No último trimestre daquele ano, por exemplo, absorveram US$ 270 bilhões em Treasuries, mais da metade das emissões do período, mesmo com os EUA apresentando déficits nominais supra de 9% do PIB. O resultado foi a manutenção dos juros em patamares baixos, ancorados pela crédito na segurança dos ativos americanos.
Esse quadro, porém, vem se transformando. Desde a pandemia, surgiram sinais de ruptura. Em março de 2020, em vez da clássica “fuga para a qualidade”, o mundo vendeu US$ 400 bilhões em Treasuries, mormente de longo prazo, o que forçou o Federalista Reserve a intervir, comprando mais de US$ 1 trilhão. Outro momento crítico ocorreu com a eclosão da guerra na Ucrânia, quando as Bolsas caíram fortemente e os títulos americanos perderam valor na sequência.
Tudo indica que demanda estrangeira se tornou mais sensível ao preço. Paralelamente, os bancos centrais —que por anos acumularam esses títulos em seus balanços— passaram a se retrair. O termo do retardamento quantitativo e o retorno da inflação forçaram o Fed (e outros bancos centrais) a interromper a expansão de seus balanços, reduzindo a sucção de risco e pressionando os juros.
Entre 2007 e 2022, o Tesouro emitiu quase US$ 19 trilhões em títulos. O Fed absorveu US$ 5,15 trilhões e o restante do mundo, US$ 5,36 trilhões. Essa base de compradores inelásticos sustentou a demanda mesmo com déficits crescentes. Mas essa veras pode estar mudando —e antes mesmo de o governo Trump trazer porquê prioridade a eliminação do seu déficit em conta-corrente. Caso os EUA precisem lastrar sua conta-corrente, o investidor estrangeiro deixará de ser financiador líquido, exigindo a sua substituição pela poupança doméstica.
Essa mudança de comportamento do mercado é mormente preocupante diante do quadro fiscal atual. A renovação dos cortes de impostos, que Trump pretende confirmar no Congresso, pode juntar US$ 37 trilhões aos déficits nas próximas três décadas, elevando a dívida pública para mais de 200% do PIB.
Esse cenário lembra a trajetória do Reino Uno no século 20. No século 19, Londres era o meio financeiro global. Mas, entre as duas guerras, perdia esse status à medida que seus fundamentos fiscais se deterioravam. Com o termo da preeminência britânica e o promanação de Bretton Woods, o dólar assumiu a liderança porquê suplente de valor.
O incidente britânico de 2022 é emblemático sobre porquê, sem o status de suplente global, os mercados punem rapidamente países com fundamentos frágeis. O proclamação de cortes de impostos sem compensações levou a uma reação agressiva dos mercados: os juros dos títulos de dez anos subiram mais de século pontos-base em um pequeno período, e a libra caiu para mínimas históricas.
Se os EUA perderem sua posição porquê principal fornecedor de ativos seguros, seus mercados podem passar a se comportar porquê os das demais economias —altamente sensíveis a choques fiscais. O privilégio exorbitante não desaparece de forma abrupta, mas os sinais de fratura são cada vez mais evidentes.
Sem o arrimo irrestrito de investidores estrangeiros e bancos centrais, a disciplina fiscal volta a ser inegociável.