O caos tarifário global instalado por Trump trouxe mais um componente de incerteza ao cenário geopolítico. Nas contas para saber quem ganha ou perde, uma coisa é certa: a natureza continuará perdendo numa guerra mercantil e política em que o impacto sobre ela não é mensurado.
As medidas erráticas dos EUA embaralham a tarifa de emergência de países e empresas num momento em que as questões de clima e natureza começam a ser tratadas pelo mercado não exclusivamente uma vez que urgentes. Elas já são vistas uma vez que cruciais —ou existenciais, uma vez que dizem os economistas— para a sobrevivência do sistema financeiro.
Ou a do próprio capitalismo, uma vez que advertiu Günther Thallinger, do Juízo de Gestão da Allianz, uma das maiores seguradoras do mundo. Ele argumenta que as seguradoras não conseguirão mais revestir riscos climáticos se o aquecimento global continuar acelerando rumo ao ponto de não retorno. Segundo ele, é um risco sistêmico e o capitalismo “precisa resolver agora essa prenúncio existencial”.
Também há pouco, sem vaidade, o Fundo Soberano da Noruega, o maior do mundo —US$ 1,6 trilhão em ativos—, determinou a submissão de 96% de seu portfólio a análise de risco de capital natural. Significa que basicamente cada dólar ali está exposto à reprecificação considerando fatores que ameaçam o clima e a natureza, geralmente ignorados nos balanços das empresas.
Escrevi aqui que, se as mudanças climáticas são um tema polarizado, a natureza é um valor compartilhado por largo espectro e a sinergia na agenda de soluções pode destravar as negociações na COP30. Ao falar de valores compartilhados, temos de tratar de responsabilidades comuns, sobretudo quando o objetivo supremo não é a sobrevivência de um regime econômico ou ideológico, mas o da espécie.
Quais modelos econômicos, nosso legado às futuras gerações, devemos gerar para uma vida menos extrema? Um horizonte inclusivo e sustentável, que crie mais do que destrua valores? É cá que a responsabilidade do capital privado aumenta e seus detentores têm de ser pressionados a exercê-la, baseados em dados da ciência —muito mais preocupantes para o negócio que as volúveis tarifas de Trump.
Em “The New Nature of Business” (A novidade natureza do negócio), André Hoffmann, vice-presidente e um dos herdeiros da Roche, defende que as empresas deixem de lado o postulado de Milton Friedman, um dos expoentes do liberalismo econômico, de que a principal responsabilidade social do negócio é fazer o supremo de moeda verosímil. Para gerar impacto, contradiz ele, “o que importa não é uma vez que você gasta moeda, mas uma vez que você faz o moeda”. Hoffmann explica que ignorar as chamadas externalidades esperando que a filantropia vá resolver os problemas é pura ilusão e nos trouxe à encruzilhada atual.
Investimentos privados devem gerar impactos positivos para os bens públicos globais, que beneficiam todos, independentemente de fronteira ou classe. Quando temas uma vez que segurança, meio envolvente, ensino e saúde forem entendidos uma vez que fundamentais para qualquer cidadão, será verosímil tecer alianças na procura de saídas mais sustentáveis para as crises.
Porque, nas palavras do nosso filósofo e acadêmico Ailton Krenak, “o amanhã não está à venda”.