Uma jornalista da Folha, Daniela Arcanjo Rodrigues, ao me entrevistar, fez uma pergunta muito boa. Eu não tinha pensado nisso antes, o que mostra porquê o verdadeiro diálogo é criativo, superando a inteligência artificial. “Por que a ‘liberdade’ se partiu em pedaços?”, perguntou-me.
Os direitistas pensam na liberdade exclusivamente em termos econômicos, porquê obrigar as pessoas eticamente, por exemplo, no comportamento religioso ou sexual. Eles consideram o principal objetivo do Estado esmigalhar o que veem porquê mau comportamento ético. Ser muçulmano em vez de cristão, por exemplo.
Os esquerdistas, por outro lado, pensam na liberdade em termos exclusivamente pessoais, porquê obrigar as pessoas economicamente, por exemplo, nas licenças profissionais ou nas tarifas sobre produtos estrangeiros. Eles creem que o objetivo principal do Estado é esmigalhar o que consideram um mau comportamento econômico. Ser uma empresa, em vez de uma instituição beneficente, por exemplo.
Eu faço uma pândega sobre esse contraste com duas palavras iniciadas com “b”. Nos EUA, os republicanos querem deixar a liberdade florescer na sala de reunião corporativa (boardroom), mas esmagá-la no quarto de dormir (bedroom). Os democratas querem o oposto. Nascente é o ponto da pergunta da jornalista: porquê as liberdades se dividiram?
Eu comentei que antes do surgimento do pensamento liberal, nos anos 1700, as palavras “liberty” (libertação) e “freedom” (liberdade) significavam exclusivamente “não escravidão“, ou seja, não ser fisicamente constrangido por um senhor. Numa quadra em que todos tinham um senhor, não havia por que fazer distinções entre as formas de liberdade. Se você fosse novato de um rabino marceneiro, ele poderia surrá-lo por qualquer subversão a um libido dele, no trabalho ou na religião. Se fosse uma esposa, seu marido poderia percutir em você por descumprir qualquer de seus desejos, sexuais ou econômicos.
Um sinal da chegada do liberalismo foi o declínio do espancamento pelos senhores. Ele veio lentamente. Na Marinha Real Britânica, o açoitamento de marinheiros foi abortado só em 1879. E, é simples, os maiores triunfos iniciais do pensamento liberal foram o término da servidão na Rússia (1861) e da escravidão nos EUA (1865) e no Brasil (1888). A relação sexual forçada com a esposa foi lítico em todos os estados dos EUA até 1974 e não ilícito em todos até 1983.
Mas as liberdades vieram de forma desigual, o que pode ter causado as divisões. A primeira liberdade na Europa foi religiosa, e só veio em plena forma posteriormente o esgotamento totalidade das guerras sangrentas desde 1517 contra tal liberdade. Um passo intermediário foi deixar os reis decidirem —”cuius regio, eius religio”, que significa “quem reina define a religião”. A intolerância religiosa ainda ecoa no sentimento antijudaico e antimuçulmano, às vezes transformando-se em lei.
O liberalismo principal pode ser visto portanto porquê tendo surgido com a tolerância religiosa. Nos anos 1700, quando a Escócia deixou de ser governada por calvinistas notavelmente intolerantes, veio a liberdade econômica de Smith. E vice-versa. Em Amsterdã, a liberdade econômica implicava liberdade religiosa.
Liberdade é liberdade é liberdade.
Parem de dividi-la.