Esporte
Meu sonho é ter uma boa noite de sono e amigos de verdade – 23/02/2025 – Titi Müller

Tentei contabilizar o meu tempo de sono no último termo de semana e a coisa está muito complicada. Não só para mim, porquê para boa segmento dos brasileiros. Vivemos no país mais ansioso do mundo, sendo São Paulo o epicentro da impaciência. Estudos muito recentes, feitos entre 2022 e 2023, descobriram que por volta de 70% da população –mais ou menos 2 a cada 3 pessoas– não dorme muito.
Quem mais se queixa de ter problemas para dormir são as mulheres. Definitivamente faço segmento desse time, dependo de medicamentos para dormir e ainda assim não tenho um sono reparador.
Um companheiro me falou outro dia que o turismo de sono já é uma tendência consolidada em países porquê a Tailândia, a Indonésia, a Espanha e a Suíça. Spas e hotéis de superior padrão, localizados em lugares remotos, que utilizam a mais moderna tecnologia disponível para oferecer aos seus hóspedes a experiência de se isolar o supremo provável da sociedade e ser removido da existência por algumas horas, se entregando à conchinha definitiva com Morfeu.
Tudo maravilhoso, mas, também caríssimo. Totalmente impagável. Tratado a peso de ouro, em 2025 o sono tornou-se um cláusula de luxo.
E é mesmo verdade. Nesse mundo rápido, barulhento e hiperconectado, reduzir a velocidade, ter chegada ao silêncio e poder gozar de qualquer tipo de desconexão é realmente um privilégio.
E o excesso de informação pela timeline infinita das redes sociais e a tripinha de manchetes que não para de percorrer no rodapé dos canais de notícias, cada dia mais apavorantes, vão se acumulando e, ao longo das semanas e dos meses, vão enchendo nossas cabeças de muito mais coisa que o cérebro consegue processar ou suportar, produzindo uma espécie de putrefacção mental com a qual é muito difícil de mourejar e desconectar. O brain rot ferra também o nosso sono.
Já faz quase vinte anos que existem estudos provando que o excesso de telas faz muito mal para o nosso cérebro. Dizem que reduz o QI, que faz a tamanho cinzenta literalmente diminuir de tamanho. Sim, o excesso de telas pode fazer até mesmo o cérebro encolher. Mesmo assim, nunca fomos tão fissurados nelas. Dependentes. Tecnicamente viciados.
Cada um de nós carrega sua própria telinha individual no bolso, que nos acompanha até ao banheiro. Raramente ficamos mais de dez minutos sem olhar para ela. Só fico pensando em quem foi mãe ou pai nas décadas de 80 e 90, quando não era uma grande preocupação deixar os filhos passarem mais de duas ou três horas mofando na frente de uma TV.
Só que o que a gente tem no bolso não é uma TV. Quer expor, também é. Só que é muito mais do que isso. Pra muita gente, inclusive, pode ser tudo. Mas, mesmo para quem não é tão adicto, um celular conectado à internet já representa muita coisa. O seu supermercado. A sua sustento. O seu meio de transporte. O seu banco. O seu trabalho. Os seus relacionamentos. O seu círculo de amizades. E é aí que o bicho pega.
Nas últimas semanas vi bastante gente falando sobre o concepção de “amizade de baixa manutenção” nas redes. Até o doutor Drauzio Varella se manifestou sobre o tema. Resumidamente, seriam amizades “adultas”, que não demandam grande atenção ou interações presenciais muito frequentes. Alguém com quem se fala ou se encontra muito de vez em quando —e tudo muito mesmo assim.
Um formato de relacionamento que ganhou bastante popularidade e se firmou porquê um pouco muito presente justamente a partir do surgimento da internet. Não sei o que vocês acham, mas, para mim, parece muito mais uma mistura de preguiça de conexões reais com um esgotamento mental para qualquer atividade social do que de indumentária uma forma de se relacionar com outra pessoa.
Sim, vivemos em um sistema numulário onde sono é privilégio e amizade um luxo. Tudo precisa ser otimizado. Quais relações cabem em um dia a dia sobrecarregado, sobretudo em uma sociedade que prioriza o paixão romântico? As amizades são os primeiros afetos a serem descartados. Vínculo tem a ver com presença –mais uma coisa que as telas nos roubaram, quase que inteiramente. Além de ansiosos, vivemos extremamente solitários.
A solução é tão simples quanto difícil: usar menos tela, viver mais vida. Menos computador, menos televisão, menos celular. Ou, pelo menos, não se deixar afetar tanto pelo que vem do feed e viver menos a vida de desconhecidos. Não é sobre se reconectar com a natureza, é sobre se conectar com as pessoas. Inclusive consigo mesma. É sobre estar presente, mesmo sozinha. Porém, melhor se for com os outros. Mais amplexo e menos emoji.
Tudo muito mandar emoji também de vez em quando, mas não é isso que vai manter uma relação de pé. Você vai ter que dar os seus pulos. Trespassar de morada, mandar mensagem, fazer convites. Estar presente.
Tal qual uma plantinha, você terá de cultivar suas amizades. Porquê muito observou o doutor Drauzio, chegar à vetustez na melhor forma também passa por chegar lá pleno de amigos. Compartilhar a vida reduz, comprovadamente, a impaciência, a instabilidade e o susto, além de diminuir o risco de doenças cardiovasculares. Por outro lado, viver em solidão pode afetar negativamente o sono (sempre ele), apressar o declínio cognitivo e aumentar o risco de demência. Não parece uma escolha muito difícil.
Sempre bom ter em perspectiva que, a cada dez anos, mais de 1/3 de tudo que existe na internet desaparece. As coisas cá do lado de fora costumam persistir um pouco mais. E quando a gente cuida muito delas, quando a gente dá a subida manutenção que as coisas boas pedem, elas podem persistir muito mais.