Em 1987, com Ronald Reagan na Presidência dos EUA, o romancista americano Gore Vidal veio a São Paulo para dar uma série de palestras. Tinha um macete infalível para abri-las. Cumprimentava o público, fazia um ar grave e dizia: “Antes de estrear, preciso dar uma informação terrível. A livraria do presidente Reagan se incendiou”. Silêncio na plateia. Ele continuava: “Ambos os livros se queimaram”. Plateia estrondava em gargalhadas. E o arremate: “O pior é que o segundo ele nem tinha completo de pintar”. Plateia se dobrava de rir. E só portanto vinha a palestra.
Livros para colorir eram coisa de garoto. Supunha-se que, mal soubesse ler, ela já se entregasse a alguns Machados e Gracilianos. Mas, em princípios deste século, eles se tornaram uma vaga internacional e foram fanaticamente adotados. Seu mercado abrangia não só quem nunca tinha sido visto com um livro na mão porquê os mais insuspeitos adultos —leitores de Heidegger e Kierkegaard eram flagrados de lápis e pincel na mão colorindo tratados de epistemologia. Havia livros de todos os gêneros para pintar, não só os da Peppa Pig.
Escritores amigos meus se revoltavam ao ver as listas de mais vendidos tomadas do 1º ao 10º lugar pelos livros para pintar. Mas eu dizia: “Calma. Pode ser uma boa. Significa que os não leitores estão descobrindo os livros. Passada a vaga, vão procurar livros de verdade. Talvez até os seus!” De traje, depois de um ou dois anos, ela passou. E, quando se esperava que nunca mais voltasse, ei-la de novo, só que agora para pintar com canetinhas.
Parece o início de uma novidade epidemia. Nós, que publicamos livros em preto e branco, vamos tolerar por qualquer tempo, mas acho que, porquê a outra, essa vaga será benévola. Outrossim, sou em prol de qualquer coisa que, mesmo por cinco minutos, tire uma tela das mãos das pessoas.
Antes de terminar, preciso dar uma informação terrível. A livraria do presidente Trump se incendiou. O livro se queimou. Por sorte, ele já tinha completo de colori-lo.