Até quem não assistiu à série “Adolescência” deve estar sabendo quem é Jamie, o garoto de treze anos que usava redes sociais e consumia conteúdo misógino, sendo responsável pelo assassínio a facadas da adolescente Katie, da mesma idade.
E Katie, quem era? A série não mostra, mas, sendo mãe de uma jovem e conhecendo esse universo, posso imaginar.
Apesar de sua mãe permanecer implorando para que Katie ficasse longe da tela, a moça usava o celular cerca de seis horas por dia. Os pais não sabiam que era tanto. Ou faziam vista grossa, já que trabalhavam demais e se sentiam culpados: se não podiam permanecer com ela, que pelo menos tivesse a companhia do dedo.
Sabiam que redes sociais não eram adequadas para aquela idade mas acabaram cedendo ao apelo de Katie. “De toda a minha sala, só eu não tenho perfil. Deixa eu entrar, deixa.” Quem resiste a um beicinho? Ainda mais referto de gloss?
Katie adorava maquiagem. Os pais da moça achavam que era vaidade, mas era unicamente o algoritmo, que já dava um jeito de lhe recomendar vídeos de venustidade antes mesmo de ela ter um perfil.
Da mesma forma que seus pais se radicalizaram vendo vídeos cada vez mais extremistas de política, Katie se radicalizou no skincare. Antes de dormir, removia a base e o delineador. Limpava os poros. Passava um creme para a pele permanecer mais jovem —planejava regredir até a cútis de um bebê? Depois passava óleo nos cabelos. Por termo, dormia de trunfa, item obrigatório entre as garotas da sua idade.
Mas não importava o que fizesse: zero era o bastante para se sentir formosa. Por qualquer motivo chamado filtros, nunca estava à profundeza das influenciadoras magérrimas e de lábios preenchidos que via no seu feed.
Toda vez que postava uma selfie, acabava se sentindo feia e deletando minutos depois. Ela não sabia, mas seu comportamento do dedo era vendido para anunciantes de marcas de venustidade que logo lhe ofereciam a solução: mais produtos, e com cheirinho de doces que as crianças adoram.
Espelho, espelho meu: existe alguém mais carente de likes do eu? O espelho deveria responder para Katie que aquela instabilidade toda não era sua culpa. Porquê mourejar, na período da vida em que as pessoas mais precisam de validação, com aquele botãozinho perverso que contabiliza o quanto alguém é gostado por seus pares?
Katie andava frustrada. E solitária e carente, apesar de ter 280 amigos numa rede e 330 na outra. Eles estavam ali, mas não estavam ali. No seu quarto, havia um globo de vôlei que não via mais a rede. Um patinete que não via o asfalto. Um jogo de tabuleiro que não via os jogadores.
Parece que todo mundo estava na tela e ninguém queria distrair com ela, com exceção de um desconhecido mais velho que vivia lhe pedindo nudes, “só de reinação”, em troca de pontos para ela usar no seu game preposto.
Katie não fez o nude. Com quarenta quilos, se sentia gorda demais para mostrar o corpo. Descontou a frustração passando a tesoura escolar no punho, sem muita força, só para saber o que a moça que fazia isso num vídeo sentia.
Depois voltou para uma das redes e começou a detonar um colega de escola chamado Jamie, não era isso que todos faziam uns com os outros? Pelo menos nos comentários de ódio, seus likes estavam garantidos.