Você trocaria seu carruagem atual por outro que só começa a caminhar mais rápido depois de anos — e, até lá, consome mais combustível e anda mais lentamente?
É mais ou menos o que está acontecendo com muitos investidores que se empolgaram com os títulos públicos atrelados à inflação pagando IPCA + 7,5% ao ano. O número impressiona. Parece seguro, parece elevado, parece imbatível. Mas será que ele é?
Recebi um e-mail de um leitor da Folha que questionava se valia a pena utilizar todo o patrimônio no Tesouro IPCA 2035, acreditando estar diante da melhor oportunidade dos últimos anos. A incerteza dele era sincera: “Essa taxa é mesmo tudo isso? Vale concentrar nela?”
Para responder, simulei dois cenários para uma emprego inicial de R$ 10 milénio. Em ambos, parti da Selic atual — 14,5% ao ano — e projetei a trajetória futura dos juros e da inflação. No primeiro cenário, otimista, a Selic cairia 1 ponto por ano até chegar a 8,5%, enquanto o IPCA recuaria de 6% para 4%. No segundo, mais realista, a Selic estabilizaria em 10,5% e a inflação em 5% ao ano — números próximos da média dos últimos 20 anos.
O que os resultados mostraram é que, no cenário otimista, o título IPCA+7,5% só empata com uma emprego a 115% do CDI em 2034. Isso mesmo: nove anos à espera de um empate. No cenário mais plausível, o IPCA+7,5% não supera o CDI nem em uma dez.
Importante lembrar que aplicações que pagam 115% do CDI — uma vez que CDBs de bancos médios e alguns fundos de renda fixa — são amplamente acessíveis. E, enquanto a Selic estiver em dois dígitos, elas permanecem bastante competitivas.
Isso significa que o IPCA+7,5% é uma embuste? Não. Significa somente que ele parece mais interessante do que é, e que só se justifica em um envolvente de possante queda de juros — alguma coisa que o mercado hoje não projeta e parece distante.
Infligir tudo nele, portanto, é apostar pesado em um horizonte otimista. E quando o horizonte depende demais de um único cenário, o risco não está só na rentabilidade: está na ilusão.
Se sua carteira está concentrada somente em um tipo de título, talvez valha reavaliar. Finalmente, no mundo dos investimentos, o que parece bom demais para ser verdade… geralmente precisa ser olhado duas vezes.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Siga e curta o De Grão em Grão nas redes sociais (Instagram).