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Hipermalvadeza supra da razão social – 01/03/2025 – Muniz Sodré

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Talvez sem relevância sociológica, é de interesse analítico uma curta frase em entrevista recente do ator Robert De Niro: Donald Trump não é um varão mau, e sim um malvado. A eminência fica mais clara em inglês, onde “bad character”, mau, tem conotação diversa de “perverse person”, “mean”, “wicked”, malvado, cruel. Faz sentido prático estabelecer diferenças dessa ordem, uma vez que quando se diz que a droga mata, mas o narcotráfico assassina. Por igual que seja o efeito grave, na avaliação dos riscos sociais muda a estratégia preventiva.

De Niro já interpretou vários homens maus no cinema e muito sabe que a morfologia desse personagem comporta alguma coragem, capaz de ser aferida uma vez que virtude. Para enfrentar adversários, o mau precisa de um caráter, que pode oscilar entre o negativo e o positivo na percepção do público. Já o malvado está mergulhado em si mesmo, sem alteridade verosímil, uma vez que o Drácula lendário desprovido de revérbero no espelho, atuando uma vez que máquina humana tipo “idiot savant”, o autista que incorpora um mecanismo computacional. Mas dissemelhante deste, o malvado, agente ativo do caos, unicamente destrói.

Essa não é perspectiva generalidade ao campo habituado a pautar análises por disciplinas sociais que sobrepõem o coletivo ao individual, centradas em condições concretas uma vez que classes, produção e Estado. No entanto, a personalização do poder é tendência própria a sistemas em que o titular da poder é alguém carismático que simboliza o Estado e assume responsabilidade pelas ações. A performance individual é logo maior do que a impessoalidade burocrática da coerção.

A essa traço sátira se adequa a tese da maior responsabilidade de Hitler com seu círculo inopino na biopolítica de extermínio do Terceiro Reich. Embora o antissemitismo deite raízes seculares no cristianismo europeu, a preocupação pessoal de Hitler foi decisiva para a implantação dos campos de concentração e para a extensão do ódio a ciganos e outras minorias. Himmler, o organizador dos campos, seguia o impulso, mas uma vez que derivação da potência infecciosa do Führer.

É que o malvado infecta. Dissemelhante do varão mau, não vê na vítima um oponente direto, uma vez que o inimigo na guerra, mas um cândido de aniquilação programada, contagiosa ao ponto que crie um consenso. Isso fez o hitlerismo por meio do rádio e das marchas triunfais. É também o que as redes sociais fazem pelo trumpismo. Entre nós, calcula-se que deepweb e fundamentalismo religioso sejam correias de ativação infecciosa do vírus extremista.

Razão não falta aos observadores que descartam a “teoria do louco” aplicada ao comportamento caótico de lideranças ultradireitistas. Hitler não era louco, mas um incubador de novos paradigmas pelo caos. Musk exibe uma motoserra após demitir funcionários públicos e, segundo a CNN, os alvos não são de iniciantes, e sim dos mais competentes. Pelo caos, ele e Trump perseguem a ruptura entre Estado e povo para solidificar o padrão de superprodução das elites e empobrecimento das massas. Um trajectória lógico e perverso. Para muito figurá-lo, impõe-se olvidar categorias uma vez que muito e mal, palhaço e estadista. O estuporado puro e simples inaugura a era da hipermalvadeza no poder.


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