Reginaldo Arcuri, 70, comanda o Grupo FarmaBrasil, associação de 12 laboratórios nacionais que, juntos, detêm 36% de um mercado que fatura murado de R$ 150 bilhões por ano. No setor público, ele viu a transformação da Petrobras e o progressão do agronegócio, duas potências nacionais. Agora, tenta destravar dois problemas, atrasos na Anvisa e no INPI, o instituto de patentes. A meta é fazer das farmacêuticas nacionais outra vertente de superioridade global.
Querem ser o novo agro brasiliano?
Eu diria que a novidade Embraer, melhor empresa de engenharia do setor que importa peças e partes dos aviões para produzi-los com a rapidez necessária para ocupar o nicho de mercado esperado. A indústria farmacêutica é um pouco isso hoje.
Mas, a exemplo da Embraer, qual é o diferencial?
Temos uma sujeição de importação de IFAs [base para produção de diversos medicamentos] sintéticos e estamos entrando nos biotecnológicos a partir de engenharia química. O medicamento brasiliano não deve zero para os melhores do mundo.
Nossas fábricas são, inclusive, mais modernas do que as das grandes multinacionais em determinadas linhas. Já estamos produzindo anticorpos monoclonais [proteínas que ajudam o sistema imunológico a combater doenças], um pouco que, em 2010, era um sonho. Nos articulamos para o que hoje é a ponta, porquê as terapias gênicas e células CAR-T [que combatem câncer].
Nossas empresas estão em outros países da América Latina, Europa, nos EUA e Canadá com centros de pesquisa, fábricas ou centros de distribuição. Elas se articulam com multinacionais, seja em programas de pesquisa ou com acordos de parceria.
Isso eleva a qualidade dos empregos?
A melhor remuneração do setor manufatureiro já é da indústria farmacêutica. Isso ocorreu [no passado] com o agronegócio, fruto de políticas de governo com perenidade, muita ciência e empresários [investindo] e, antes disso, com o petróleo.
Quais são as barreiras?
Temos dois problemas. Nosso foco medial é a Anvisa. Depois, é o INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial]. Medicamento só vira mercadoria em seguida o registro da dependência. A chamada régua regulatória, o rigor do controle sanitário, vai sempre subir. Mas essas análises não podem demorar tanto. Dois anos, não importa para qual tipo de medicamento, é tempo demais.
Por que essa lentidão nos registros prejudica tanto?
Recentemente, fizemos um levantamento dos medicamentos que entraram [com pedido de registro] e ainda não saíram. Só na Anvisa, há R$ 17 bilhões parados à espera de liberação.
Nascente é um problema para os laboratórios, mas o que isso muda para o consumidor?
Quanto mais rápido for o aproximação a novos medicamentos, alguns, inclusive, com concorrentes no mercado, mais baixa o preço.
Qual é a questão no INPI?
A patente de um medicamento é um ativo tão importante quanto seu desenvolvimento. E elas têm um impacto não só no negócio das empresas, mas nos consumidores. No Brasil, o consumidor mais decisivo é o SUS. Há alguns anos, entramos junto com outras associações do setor no STF para a revogação de um parágrafo da Lei de Propriedade Industrial que estendia o prazo de uma patente exatamente no tempo de espera até sua liberação. Isso porque a Constituição estabelece que a vigência de uma patente é de 20 anos a partir do pedido de registro. Ou seja, ninguém pode entrar no mercado enquanto o pedido está em estudo [dessa forma, algumas patentes valiam por mais tempo]. Esse parágrafo foi revogado e 66 ações, todas referentes a moléculas, tentam revertê-lo na Justiça Federalista. Até o momento, 27 foram favoráveis à decisão do Supremo.
Haverá mais competição, portanto?
Sim, mas estamos nessa peleja muito mais para tutelar o SUS do que os interesses das empresas, porque é justo poder produzir determinadas coisas [cujas patentes, supostamente, expiraram].
RAIO-X
Reginaldo Arcuri
1954, Juiz de Fora (MG) –Formado em Recta (UFJF) é também profissional em história do Brasil (UFF). Fez curso no serviço público, sempre ligado ao desenvolvimento industrial. Foi presidente da ABDI (2007 a 2011); secretário pátrio de desenvolvimento da produção do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Negócio e, antes disso, secretário de Indústria e Negócio de Minas Gerais.