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E será que faz secção da democracia respeitar fascista? – 10/04/2025 – Tati Bernardi

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A alegria de um pão na placa com requeijão na ingressão. A crosta de magia e felicidade colidindo com a língua mais faminta que existe, que é a língua das quatro da tarde. Peço suco de melancia com gengibre e início a trautear, dentro da cabeça, aquela do Guilherme Arantes “uuu enxurro de charme, um libido enorme, de revolucionaaar ooo”.

A padaria está lotada e lembro com carinho de um ex-namorado que todos os domingos calculava quanto o estabelecimento deveria lucrar aos finais de semana. Em poucos segundos, somando muitas coisas e subtraindo outras (percebam a maneira elaborada com a qual eu tento explicar uma matemática que me soava impossível) chegava a um número que nos deixava boquiabertos. Sim, os sócios estavam ricos.

Portanto, eles se sentam ao meu lado. Marido, esposa e fruto de 15 anos. Estão de virente e amarelo. Voltam da Paulista. Foram pedir anistia para o presidente mais asqueroso e criminoso da história desse país. Pedem croissant de chocolate e me senti ofendida: eles não merecem o guloseima preposto da minha filha.

Não basta ser um par babaca, é preciso ensinar o fruto a ser essa amostragem de misoginia com topete. Estragam minha miséria, minha música, os átrios, os ventrículos. O batimento cardíaco ritmado pelo enojo piora meu prolapso e investigo se o copo do meu suco de melancia com gengibre está lascado, pois parece que estou engasgada com um pedacinho de vidro.

Eles têm recta! Faz secção da democracia admitir quem pensa dissemelhante! Mas será que esse par pensa? E será que faz parte da democracia respeitar fascista (ainda mais um par que educa o fruto a tutorar quem defende torturador?)? Não que eu vá encetar a clamar “volume de manobra de criminoso” ou pegar uma cruz e uns dentes de alho e pregar “volta pro inferno”. Mas faço do meu jeito. Uma crônica para esses idiotas.

A diferença é uma coisa linda. Estava há poucos minutos lembrando com carinho desse ex-namorado com um cérebro tão dissemelhante do meu. Fácil não era e tenho certeza que muitas das brigas eram porque ele via um quadrilátero exato onde eu via um rocambole alado com purpurinas dançantes. Mas era bonito, era paixão e eu vou sorrir com saudação e saudade todos os domingos em que eu me sentar nessa mesa.

“Ai, Ricardo, que lugar referto, quente, que horror”. Essa é a frase que a esposa de virente e amarelo repete. Não posso chamá-la de companheira do fulano, parceira, essa daí é esposa mesmo. O pai trata mal a mocinha preta que o atende, olha mal-parecido para a moça com uma rapaz barulhenta ao lado. E os odeio.

Aquele pequeno playboy misógino de 15 anos precisa ser salvo. Ainda dá tempo? Na minha era, em escola católico, eu tinha aulas de instrução moral e cívica. Hoje, quando busco esses antigos colegas nas redes sociais, mais da metade da minha turma elegeu Bolsonaro. E se em vez de uma lição estranhíssima em que aprendíamos a honrar o bom comportamento em uma fileira militar, tivéssemos tido aulas de sociologia, filosofia, educação antirracista?

A diferença é uma coisa linda. O fascismo é terrível, criminoso, racista, eugenista, mata jovens, mata mulheres, mata homens eleitos pelo povo, estupra, joga corpos no mar, ri de pessoas sufocando. E o pior: ele está logo ali, coladinho ao nosso pão na placa com requeijão na saída.


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