Sei que falei de “Ainda Estou Aqui” na semana passada, mas não peço desculpas por me repetir. Muito pelo contrário: pretendo ortografar sobre o filme e as indicações ao Oscar até o dia da cerimônia, 2 de março, data que se tornará feriado pátrio, per saecula saeculorum.
Por quê? Porque essa é a primeira boa notícia na rossio, em muitos e muitos anos. Os donos do mundo fazendo “Heil, Hitler!”, golpistas à solta no Brasil, bullying pesado nas escolas, gente pobre perdendo tudo para essas bets calhordas, a temperatura subindo, corais morrendo, florestas e cidades queimando, São Paulo inundando, minha vista cansada piorando num ritmo que já me refiro a ela porquê vista exausta; mas é só pensar na Fernanda Torres e o sol da felicidade em raios fúlgidos volta a luzir no firmamento da pátria neste momento.
Num almoço de domingo, a família se digladiando sobre política, basta alguém falar “E a Fernanda Torres, hein, gente?”: as faces congelam, porquê se Deus tivesse apertado o pause no celular de onde assiste a esta série torpe chamada “Humanidade”. Portanto, em slow-motion, as rugas vão dando lugar a sorrisos, as rusgas são solapadas pelo otimismo. Até a Regina Duarte, pessoal, a Regina Duarte, que durante anos foi uma biruta política —bastava saber pra que lado ela estava tremelicando e ir pro outro— declarou numa entrevista estar encantada com o filme. Daí pra Carla Zambelli postar um #SOMOSTODOSNANDA e dar três tiros pro superior é um pulinho.
Sexta-feira assisti ao filme pela segunda vez, agora com minha filha, de 11 anos. Achei que não precisava levar um pacote inteiro de Kleenex, porquê na estreia. Ledo miragem. Não queria ir pegar papel higiênico no banheiro e deixar minha filha sozinha diante de agentes da repressão, mas se desse mais uma fungada minha sinusite ia parar no calcanhar. A gente se vira porquê pode: discretamente, tirei o tênis, a meia… Quando acenderam as luzes, minha filha perguntou, “papai, por que tem talco no seu nariz?”. Eu disse que devia ser o sal da pipoca.
Acho que o grande acerto do filme, para além da destreza samurai de todos os profissionais envolvidos, é focar na vida, não na morte. Poderia ser uma história sobre a violência da ditadura, sobre a injustiça, a medo, “Não Estou Mais Cá”, mas é o contrário. É uma história sobre a força luminosa daquela família, encabeçada por Eunice Paiva. A linda retrato trabalha neste sentido. Começamos na praia e ensolarados vamos até o momento em que os carniceiros entram na morada e fecham as cortinas. O breu permanece até Eunice transpor da prisão e escoa pelo ralo na belíssima cena do banho. Dali em diante, apesar das trevas em que os Paiva são atirados, o sol volta a luzir. Terminamos com a luz refletida nos tacos da morada.
Eu poderia fechar a crônica falando sobre o contraditório que é aqueles assassinos terem saído ilesos e de porquê a impunidade nos levou a que a história quase se repetisse (não porquê farsa) no dia 8 de janeiro de 2023. Prefiro, todavia, seguir a prelecção do filme e rematar o texto sob o sol, dizendo que não estou preocupado com a campanha pelo Oscar de melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz, que deve ser transmitido num telão, no sambódromo do Rio de Janeiro. Eu vejo além. Tô focado é na campanha da Fernanda Torres para presidente. Walter Salles, ministro da Cultura. João Moreira Salles ou Marcelo Rubens Paiva na Ensino. Qualquer irmão banqueiro cuidando da economia. E o Andrucha Waddington porquê o primeiro primeiro-damo na história deste país. Agora vai, Brasil!